Em 17 de janeiro de 2024, o Forum Económico Mundial (FEM) realizou uma reunião de preparação para ameaças pandémicas à saúde, centradas num patogénico hipotético, ‘Doença X‘.
O termo “Doença X” refere-se a um agente infecioso desconhecido, que pode representar uma séria ameaça à humanidade. A OMS adicionou a “Doença X” à sua lista de agentes patogénicos prioritários em 2018, por forma a estimular melhores preparações para este tipo de ameaças hipotéticas, particularmente em cenários onde vacinas e terapêuticas conhecidas não estão disponíveis.
De salientar que há benefícios em utilizar estas hipóteses no planeamento de políticas de saúde pública. Da mesma forma, há, naturalmente, interesses corporativos geopolíticos e “globais” representados em Davos. Gera atenção, resposta e investimento potencial por parte de acionistas privados, mas também de governos, que desenvolveram uma dependência considerável de vacinas como mecanismo primário para a preparação e resposta à pandemia.
Ajuda a criar um sentido de urgência, permite uma narrativa clara sobre o retorno do investimento e legitima o lugar da OMS como autoridade para a política de saúde pós-Covid. Criar um sentido de urgência e de crises futuras diminuirá a reflexão, permitindo que os políticos se disponham mais rapidamente a chegar a acordos e a mobilizar recursos.
Não obstante as aparentes boas intenções e o princípio de cooperação global destas iniciativas, é neste contexto político-corporativo do FEM que o interesse público se distorce e a saúde global deixa de ser um elemento de ação comum, para se transformar num “produto comum” que alimenta, sobretudo, diferentes interesses privados.
Falemos, portanto, em factos, neste tempo que tanto se apregoa o fact-checking e se abana com a bandeira da desinformação:
É inegável a existência de milhares de vírus, sendo que muitos permanecem desconhecidos. A natureza é diversa, vasta e nem sempre bem compreendida. No entanto, uma maioria significativa é inofensiva para o ser humano, uma vez que com eles foi contactando, ou às suas variantes, ao longo de milhares de anos. Ocasionalmente, nestes encontros diários, ocorrerá um surto mais significativo. O que importa então é a sua frequência e gravidade.
A potencial exceção, como o FEM bem sublinhou, é a introdução não natural de um agente patogénico no ambiente, através da manipulação laboratorial de vírus. Estas são, porém, questões de segurança nacional e internacional, não se enquadrando, à partida, na lógica corporativa privada que domina Davos.
Este ano o FEM pegou na lista das doenças mais suscetíveis de se transformarem em ameaças à saúde humana (Emergências de Saúde Pública de Importância Internacional) da OMS de 2018. Para além da Covid-19, a única doença nesta lista ao qual foram atribuídas mais de 10.000 mortos é o Ébola.
O surto de Ébola na África Ocidental de 2014-15 – de longe o maior da história – teve um impacto na mortalidade de 11.325.
Com exceção da febre de Lassa, uma doença endémica da África Ocidental, nenhuma outra doença na lista parece ter registado mais de 1.000 mortes identificáveis a nível mundial. O SARS e o MERS-CoV causaram cerca de 800 cada.
Este contexto é importante para compreender o risco para a saúde pública destas doenças e dar alguma perspetiva à atual narrativa do FEM:
1 – A tuberculose causa 1.3 milhões de mortes por ano, ou mais de 3.500 mortes por dia, enquanto a malária mata mais de 600.000 crianças todos os anos.
2 – O cancro e as doenças cardíacas matam, globalmente, muito mais pessoas (10 milhões a 17.9 milhões).
Do ponto de vista da saúde pública, até recentemente eram estas áreas que recebiam maior financiamento. O aumento da esperança média de vida nos países desenvolvidos, e posteriormente nos países em desenvolvimento, encontra-se diretamente relacionado com elas, em particular no que toca ao investimento de décadas em saneamento básico, nutrição, condições gerais de vida e antibióticos.
Só podemos, portanto, especular as consequências do que este recente enfoque em doenças pouco comuns e de baixo impacto, já para não falar em doenças que permanecem no domínio da teoria, quando não da ideologia, poderão efetivamente ter na saúde global.
De onde surge a Doença X como 20 vezes mais mortal?
O cálculo do “20 vezes” mais mortal surge originalmente num artigo online publico pelo Correio de Birmingham, a 24 de setembro de 2023.
O artigo afirma que “a nova doença pode ser 20 vezes mais mortal que o coronavírus, que causou 2.5 milhões de mortes”. Aqui deve-se notar que nem o número de mortes relacionadas com a Covid-19 é rigoroso, uma vez que o número oficial era de cerca de 7 milhões à data.
A origem desta informação parece estar numa declaração feita na época por Kate Bingham, ex-presidente do Grupo de Trabalho de Vacinas do Reino Unido, que disse do Daily Mail que “a pandemia de gripe de 1918-19 matou pelo menos 50 milhões de pessoas em todo o mundo, o dobro das que foram mortas na Primeira Guerra Mundial. Hoje, poderíamos esperar um número de mortes semelhante devido a um dos muitos vírus que já existem.”
Voltemos novamente aos factos:
1 – Em primeiro lugar, a maioria das mortes por gripe espanhola é atribuída à falta de antibióticos. Esperamos, portanto, que os cuidados médicos também tenham melhorado nos últimos 100 anos.
2 – Em segundo lugar parece que o autor do Correio de Birmingham chegou ao cálculo de “20 vezes mais mortal”, pegando nos 50 milhões de mortes por gripe espanhola e dividindo-as por 2.5 mortes por Covid-19, imaginando assim a gravidade da Doença X.
Nesta lógica distorcida, a Doença X equivaleria, hipoteticamente, a 7 milhões de mortes por Covid x 20 = 140 milhões de mortes. Isto colocaria a Doença X num patamar completamente inédito na História da Medicina. E é extraordinário como ninguém, desde jornalistas especialistas em saúde a profissionais de saúde, tenha questionado um número tão elevado de mortalidade.
Numa época em que tanto se fala em desinformação e evidência científica, chega a ser incrível como a falta de rigor das discussões que saem do FEM, ultrapassando claramente as suas competências, têm tamanha aceitação pública e tal ausência de escrutínio mediático.
Racionalidade acima do Pânico
O relatório “RATIONAL POLICY OVER PANIC. Re-evaluating Pandemic Risk within the Global Pandemic Prevention, Preparedness and Response Agenda”, um relatório sobre avaliações de risco preparado por um grupo da Universidade de Leeds, conclui:
1- “Os dados e as evidências apoiam mal o atual risco de pandemia sugerindo que a urgência é injustificada e que é necessário mais tempo para formular políticas que reflitam o verdadeiro risco de pandemias no contexto mais amplo da saúde. Em contraste, os dados sugerem que um aumento nos surtos naturais registados poderia ser em grande parte explicado pelos avanços tecnológicos em testes de diagnóstico nos últimos 60 anos, enquanto a vigilância atual, os mecanismos de resposta e outras intervenções de saúde pública têm reduziu com sucesso a carga nos últimos 10 a 20 anos. COVID-19, se de facto for de origem natural, aparece como um valor atípico e não como parte de uma tendência subjacente.”
2- “Neste contexto, as análises da OMS, do Banco Mundial e do G20 e, em certos casos, das fontes que citam, são dececionantes em termos de conhecimento e equilíbrio. Eles levantam a preocupação de que um desejo de enfrentar uma ameaça percebida está impulsionando a análise, em vez da análise objetiva determinar a extensão da ameaça.”
A ilusão de consenso científico que predominou em 2020 e 2021 cai cada vez mais no ridículo. Por todo o lado surgem vozes que, inicialmente sussurrantes, começam a elevar a voz. Cada vez mais artigos contra narrativa conseguem ser revistos e publicados.
A indústria do tabaco dominou a OMS durante mais de meio século com consequências evidentes na saúde global. Esperemos que a “Indústria das Pandemias” não venha a ter direito ao seu Complexo Industral, uma vez que começam a ser cada vez mais evidentes os efeitos negativos das políticas de saúde pública implementadas no pânico de Março de 2020.
Mas isso é matéria para um próximo artigo.