HÁ UMA REVOLUÇÃO EM MARCHA

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É o exemplo do homem novo que África tem esperado nos últimos séculos. Tem 37 anos, é uma espécie de “capitão de abril” mesmo se o golpe de estado que liderou foi em setembro. Começou por ser um militar golpista para se tornar num símbolo como líder africanista, uma voz contra o neo-colonialismo que tem subjugado as economias africanas e impedido o desenvolvimento dos países. Dizem que já escapou a várias tentativas de assassinato.

Ibrahim Traoré, tem-se destacado como uma figura carismática e polarizadora no atual cenário político africano. Tem um discurso forte contra a influência ocidental, na denúncia da exploração contínua dos recursos africanos por potências externas. Um discurso que conquistou apoio popular não só no Burkina Faso, mas também noutros países da África Ocidental.

Com ele, o Burkina Faso rompeu laços militares com a França, exigindo a saída das tropas francesas, e tem procurado parcerias alternativas, nomeadamente com a Rússia, Brasil e países vizinhos. O líder do Burkina Faso esteve recentemente em Moscovo para participar nas celebrações do 9 de maio, o dia em que a Rússia celebra a vitória sobre a Alemanha nazi.

Ibrahim Traoré com Umaro Sissoco Embaló, Presidente da Guiné-Bissau, em Moscovo, em 9 de maio

Existem relatos consistentes, embora pouco detalhados oficialmente, sobre várias tentativas de assassinato contra Traoré. Esses relatos alimentam ainda mais a sua imagem de “resistente” e mártir em construção.

Apesar da retórica forte, Traoré ainda não conseguiu estabilizar o país. O Burkina Faso continua a enfrentar violência jihadista em várias regiões. Os extremistas islâmicos serão financiados precisamente pela França e apoiados militarmente pela Ucrânia. É como se a guerra com a Rússia tivesse uma extensão na África subsariana.

DEMOCRACIAS DE PAPEL

No Ocidente criticam Ibrahim Traoré pelo desalinhamento com as antigas potências coloniais e por não ter ainda marcado eleições para que os militares deixem de governar o país.

Se Traoré quiser afirmar-se como um chefe africano, não se vai preocupar com eleições. As democracias ocidentais não casam com as tradições e os costumes da maioria dos povos de África e, como estamos a ver hoje, não são exemplo para ninguém, face aos apoios a regimes genocidas e aos esquemas militaristas para depor líderes que não alinham com o ocidente.

Em África, muitos olham para a democracia liberal ocidental como um modelo imposto, que falhou em criar estabilidade, justiça ou desenvolvimento económico sustentável em grande parte do continente.

A forma como o Ocidente lida com crises, como o apoio a Israel face ao genocídio em Gaza, ou as ingerências em países como Líbia, Mali e Níger, alimenta a perceção de hipocrisia. Fala-se em direitos humanos e democracia, mas apoia-se ou impõe-se regimes ou políticas claramente contrárias a esses princípios quando isso serve os interesses estratégicos ou económicos ocidentais.

Há uma crítica clara ao que se chama “democracia de papel”. Ou seja, eleições formais sem verdadeira soberania popular. Muitos desses países realizaram eleições regulares sem que isso resultasse em melhoria das condições de vida, redução da corrupção ou maior justiça social. Nessa lógica, a democracia representativa é vista como uma fachada.

OS MAUS EXEMPLOS DE ANGOLA E MOÇAMBIQUE

Por exemplo, regimes como o de Angola ou de Moçambique em que a repressão política se exerce ao ponto de matar simples manifestantes de rua, em que as eleições têm sempre um véu de aldrabice mas são aceites como legítimas pelo Ocidente, dão razão a tipos como Traoré que rejeitam hipocrisia e repressão.

Em Angola o MPLA confunde-se com o Estado. É como se o regime continuasse a ser de partido único. Mas há eleições legitimadas pela comunidade internacional e pelo FMI. Em Angola, quase tudo tem a marca da falta de transparência, do controlo dos media, da repressão sobre a oposição e por  mortes de manifestantes, como nas manifestações de Cabinda e do movimento “Revú”. A corrupção, com famílias no topo do Estado ligadas a fortunas colossais, agrava a deslegitimação interna.

Em Moçambique, é a FRELIMO quem manda desde a independência. Também ali tem havido assassinatos políticos e manipulações eleitorais. Escândalos como o das “dívidas ocultas” revelam o uso do Estado em benefício privado, com conivência internacional.

Ambos os regimes têm sido apoiados ou tolerados por potências ocidentais e instituições multilaterais (FMI, UE), porque garantem “estabilidade” e abertura a interesses económicos.

Quando surgem líderes como Ibrahim Traoré, os interesses instalados sentem-se ameaçados. E é nesse confronto entre o africanismo e o neo-colonialismo que está o “mecanismo” que aciona golpes de estado.

O Burkina Faso não é caso único. Diferentes modelos de governação estão a ser ensaiados em países como o Botswana, o Mali, a Etiópia, o Senegal, até mesmo na Somaliland (um Estado não reconhecido que se separou da Somália). São todos casos de países liderados por jovens que, à semelhança de Ibrahim Traoré, rejeitam “democracias de fachada” dominadas pelas multinacionais e subjugadas à dívida externa imposta pelas regras do capitalismo ocidental.

Traoré e outros líderes militares revolucionários ganham força quando assumem a luta de forma aberta, e não com o verniz institucional da “governança” sem povo. Quando esses líderes, como Traoré, expulsam as antigas potências coloniais e tentam devolver aos africanos o controlo dos recursos naturais, a sua legitimidade popular cresce muito. Se não morrerem de morte matada, como aconteceu antes com Thomas Sankara, Amílcar Cabral, Patrice Lumumba ou Muammar Khadafi, todos derrubados (ou mortos) após confrontar interesses externos, com o tempo veremos o que conseguem concretizar.

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