Se do Império os mortos vais contar
São tantas as parcelas para somar
Qualquer pequena história ao virar da esquina
Guatemala, Indonésia, Argentina
Jenin e Hiroshima
José Mário Branco, Se Do Império
Os nossos dias estão a ficar marcados por conflitos de uma violência absurda. Evidências do colapso de um sistema internacional que está a perder a sua capacidade de regulação e contenção.
A ONU é vítima do seu próprio desenho, sobretudo do poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Quando interesses geopolíticos se sobrepõem ao direito humanitário, o sistema fica paralisado. As guerras no Sudão, na RDC, em Gaza e na Ucrânia são exemplos deste colapso.
É a lei do mais forte. Assumidamente, não se respeitam direitos humanos. Priviligiam-se discursos autoritários, nacionalistas e militaristas.
O atual presidente dos EUA repete-se na retórica agressiva de expansão territorial ou domínio estratégico sobre o Canadá e a Gronelândia, futuros campos de batalha. Trump mostra um desrespeito total pelo direito internacional e pela soberania dos povos. Se essa tendência se intensificar, abre-se a porta para uma nova era de imperialismo. E depois disso, adivinhamos o confronto com a Rússia e a China. Será o apocalipse, então.
É contra isto que temos de lutar. Os sonhos de uma velhice longa e pacífica estão a desvanecer-se. Sei isso quando vejo a abnegação de médicos, enfermeiros, jornalistas palestinianos e todo aquele sofrimento colectivo.
Tem cuidado
Se do Império os mortos vais contar
Melhor será saber recomeçar
Que os mortos do Império vão voltar
José Mário Branco, Se Do Império
Com os parlamentos acobardados e o compadrio criminoso dos governos, a resistência na Palestina hoje está nas cozinhas comunitárias, nas câmaras de vídeo improvisadas, nos hospitais em escombros e nos megafones dos que marcham em protesto em cidades de todo o mundo.
Contra o desânimo, temos de nos lembrar dos casos que nos ensinam que resistir é vencer. Foi a luta contra o apartheid na África do Sul. Durante décadas, a luta contra o regime racista do apartheid foi ignorada, e até rejeitada, pelas potências ocidentais, como os EUA e o Reino Unido (que mantinham boas relações com a África do Sul).
A resistência interna, sindicatos, igrejas, artistas, o povo nas ruas, manteve viva a luta mesmo quando Mandela era apenas “mais um preso”. E de repente o regime caiu em 1994.
Há muitos exemplos de resistência na História, muitos heróis para relembrar, desde Martin Luther King a Xanana Gusmão, mas quero realçar a nossa Revolução dos Cravos. A resistência à ditadura de Salazar e Caetano parecia “sufocada”, mas estava viva nos protestos dos estudantes, na militância clandestina dos partidos da esquerda. O golpe do 25 de Abril de 1974 partiu de um pequeno grupo de militares de baixa patente, e teve apoio popular espontâneo. O regime caiu quase sem resistir.
Estes casos mostram que resistências tidas como “simbólicas” podem, com persistência e contexto certo, tornar-se forças transformadoras. Nem sempre vencem. Às vezes demoram décadas. Mas são elas que mantêm acesa a ideia de que nenhum poder é eterno.

Se do Império os mortos vais contar
Terás milhões de vidas para somar
A grande história escrita ao virar da esquina
Vietname, Curdistão, Filipinas
Angola e Palestina
José Mário Branco, Se Do Império