ELEIÇÕES E DEFESA DA DEMOCRACIA

Roménia. Em novembro as eleições foram anuladas e o candidato vencedor da 1ª volta foi impedido de voltar a concorrer. Na altura, as notícias diziam-nos que se tratava de um político da direita apoiado por Moscovo e que as eleições teriam tido interferência russa. A Comissão Europeia bateu palmas, assim se afastou da liderança da Roménia um líder crítico da União Europeia.

0
283

Agora, realizou-se de novo a 1ª volta e voltou a ganhar o candidato da direita, euro céptico, que diz que se vencer a corrida (falta a 2ª volta) vai buscar o político irradiado, Călin Georgescu, para o colocar num lugar de destaque (não disse qual).

Călin Georgescu foi votar juntamente com George Simion
Resultados finais da 1ª volta eleitoral, com Simion a obter 41% dos votos

Tudo isto merece reflexão.

Primeiro, a direita parece ter saído desta trapalhada ainda mais reforçada.  George Simion conseguiu mais de 40% dos votos, um resultado melhor que o alcançado por Călin Georgescu na votação anulada.

Segundo, os argumentos para a anulação do primeiro ato eleitoral parecem ter sido inventados, uma vez que os resultados não se inverteram. O apoio a Simion e à sua linha política é genuinamente forte entre o eleitorado romeno, independentemente de qualquer influência externa.

Terceiro, a União Europeia liderada pela atual Comissão está a sofrer um grande desgaste político, com um número crescente de Estados membros a contestar as suas políticas, nomeadamente as que dizem respeito ao apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia.

AS INTERFERÊNCIAS

O que esteve na base da anulação das eleições foram meras alegações que dificilmente poderão ser comprovadas. Houve um relatório dos serviços secretos romenos que apontou para as tais interferências da Rússia, com base no seguinte:

  1. Campanha digital manipulada. Foi dito que  Georgescu recebeu apoio através de campanhas nas redes sociais, especialmente no TikTok, com conteúdo semelhante ao utilizado pela Rússia antes da invasão da Ucrânia.
  2. Financiamento ilícito. Terão sido realizadas investigações que revelaram financiamento estrangeiro não declarado, incluindo pagamentos a empresas de lobby nos EUA.
  3. Ataques cibernéticos foram detectados, direcionados aos sistemas eleitorais romenos, atribuídos a grupos russos.
  4. Conteúdo pró-russo. A campanha de Georgescu incluía declarações favoráveis a Vladimir Putin e críticas à NATO, levantando preocupações sobre sua independência política.

Com base nessas evidências, o Tribunal Constitucional anulou a primeira volta das eleições e desqualificou Georgescu da corrida presidencial.

AUSÊNCIA DE FACTOS

Para muito boa gente, serão apenas indícios demasiado imateriais para anular eleições… Campanha digital manipulada? Financiamento através de lobistas dos EUA (o que tem a Rússia a ver com isto?)… Opiniões pró russas são proibidas na UE?

Não se percebe o que querem dizer com “campanha digital manipulada”. Campanhas digitais intensas, com memes, bots ou conteúdos provocatórios são hoje comuns em todo o espectro político, em todo o lado. A política contemporânea é indissociável das redes sociais, seja o  TikTok, X (antigo Twitter), Facebook ou YouTube. Copiar argumentos utilizados por outros é banal. Em Portugal, por exemplo, várias “bandeiras políticas” de Trump estão a ser utilizadas por André Ventura (caso dos imigrantes, por exemplo).

Infelizmente, a direita domina melhor este novo ecossistema político. Mas o simples facto de um candidato de direita estar a ser bem-sucedido online, apenas nos diz da fragilidade institucional e os “truques” para o combater fazem mais mal do que bem à democracia.

Também não se percebe a relação entre o financiamento através de lobistas nos EUA e os eventuais interesses russos em jogo nestas eleições.

Uma pessoa ter opinião sobre a política do seu país é normal, principalmente se essa pessoa é um líder político. Que se saiba, declarações pró-russas não são ilegais na União Europeia. A UE continua a ser uma união política de democracias com liberdade de expressão, ou já não? Pode ser lamentável, mas ter uma visão crítica da NATO ou mesmo simpatia pela Rússia não é crime, nem deveria ser motivo para anulação de eleições.

Numa entrevista vídeo à Reuters, George Simion diz que a Rússia não representa qualquer ameaça para a Roménia

O que se vê aqui é um exemplo de uma situação em que o poder instalado se sente em perigo e usa critérios de segurança nacional para se defender. Isso levanta sérias preocupações sobre a arbitrariedade na aplicação da lei eleitoral e sobre a fragilidade institucional, mesmo em países da UE.

A vigilância contra ingerências externas reais deve existir, mas não pode ser argumento falacioso para anular votações e irradiar candidatos com apoio popular visível. Tudo isto abriu um precedente perigoso na UE.

Quando forças políticas populares não alinhadas com o consenso europeu são tratadas como ameaças existenciais e não são combatidas com argumentos, mas com proibições, desqualificações e suspeitas de “influência estrangeira”, isso fragiliza a democracia mais do que a fortalece.

Observadores da OSCE nas eleições presidenciais na Roménia

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui