Durante 7 dias os noticiários televisivos tornaram-se monotemáticos. O Papa tinha morrido e o resto do mundo práticamente desapareceu das pantalhas. Notícias sobre as guerras foram esquecidas ou relativizadas, crises tornaram-se desinteressantes e desapareceram campanhas eleitorais.
Tivemos telejornais com 40 ou 50 minutos dedicados em exclusivo ao Papa, com informações debitadas pelas agências de comunicação e pelo corropio de correspondentes e enviados-especiais. O tempo parou para o luto papal. Entre os rituais, as análises, os perfis históricos, os cenários futuros e até os pequenos gestos no Vaticano, tudo virou notícia.
A liturgia foi transmitida quase integralmente, com explicações repetidas sobre cada detalhe, desde o anel do pescador à urna tripla. Vimos e ouvimos cardeais e comentadores a especularem se o próximo Papa será uma “continuidade” ou um “regresso” ao modelo mais conservador.
Muita parra mas pouca diversidade de perspetivas. Quase toda a informação passada de forma reverente, com pouca análise crítica sobre o impacto político real do Vaticano no mundo. Esqueceram-se de falar de alguns “irritantes” como, por exemplo, a crise financeira do Vaticano, as tensões internas sobre a gestão financeira, temas que Francisco tentou resolver mas onde falhou. Pouco se falou, também, das divisões no interior da Igreja e que se vão enfrentar agora quando os cento e tal cardeais se fecharem numa sala para escolherem entre si, em segredo, qual deles vai ser o novo Papa. Não se ouviu uma voz crítica, sendo certo que a Igreja é muito mais diversa internamente do que foi mostrado. Existem os que pedem abertura ao casamento de padres, à ordenação de mulheres, ao fim do clericalismo, mas nestes dias as televisões não lhes deram qualquer visibilidade.
O Papa foi endeusado, tratado como figura mítica. Algo que o próprio teria recusado, se tivesse sido possível.
No final, o funeral, também palco de geopolítica. Quem veio, quem não veio, quem falou com quem. A imagem de Trump a conversar com Zelensky foi enquadrada quase como “milagre” de Francisco.
Estamos a falar de uma cobertura noticiosa que não se diferenciou de canal para canal. Todos deram a mesma coisa, do mesmo modo, quase com as mesmas palavras. Os telespetadores ficaram sem opção. Ora, isto gera um fenómeno que em teoria é o oposto do que deveria ser o espírito do jornalismo numa democracia: a diversidade nas abordagens, os diferentes ângulos de uma notícia.
E nem todos os portugueses estariam interessados em doses exageradas de informação sobre a morte do Papa. Os noticiários tornaram-se menos serviço público e mais ritual de massas. Não eram notícias, mas mais uma missa.
Quando o jornalismo abdica de informar para apenas retransmitir (sem espírito crítico, sem contexto mais amplo, sem pluralidade), os jornalistas transformam-se em mestres-sala e deixam de cumprir o seu papel.
Sim há falta de ângulos de visao tal como acontece na narrativa angular europeia sobre a guerra na Ucrânia. Encontramo-nos em tempos onde os interesses que se encontram por trás das massas determinam conteúdos e accao. É o efeito de um globalismo que implica cada vez senhores e multiplicadores cada vez mais globais para uma massa tornada cada vez mais manipulável porque indiferenciada.