O PROGRESSO

Tenho cada vez mais dificuldade em definir conceitos.

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Cascais, terra de gruas de construçãocivil

O que será o progresso?

Nos EUA, os ricos que não suportam os caprichos dos ditadores, a humilhação imposta aos imigrantes, irão para algum paraíso onde não percebam a devastação da tirania.

Os pobres que não são despejados como criminosos de braços algemados nas costas, mantêm-se como escravos dessa loucura, que numa rede de arrasto os atira como lixo para um mar de lodo onde tentam manter a cabeça de fora.

Pessoas, animais, plantas, qualidade de vida, perdem-se na podridão da corrida ao Poder por  psicopatas que proliferam no topo das hierarquias.

Assim o resto do mundo se digladia em jogadas perversas pela conquista de qualquer coisa sinónima de Poder, com absoluta confusão de prioridades, sendo a primeira manter activa uma indústria bélica  lucrativa para quem a domina.

Os poderes vão criando ilhas à medida da sua avidez imediata, defendidas por uma legião de interesses que os servem a eles e à clientela útil que os respalda, à margem da vontade popular.

Está bem, os populares podem converter-se em hordas sem freio, se não forem conduzidos por líderes razoáveis movidos por ideais nobres. E eles, os populistas que cortam fitas quando garantem um lugar nos recantos dessas ilhas de exclusividade, são o quê? Alguma vez contemplam o bem-estar dos outros seres humanos que os servem?

Vejamos por cá, tão perto de nós, tão cada vez mais parecidos com os modelos negativos de além fronteiras.

Sem a decisão dos eleitores, os poderes nada seriam. Não têm direito algum de se auto-promoverem com a maior ousadia, apoderando-se do que é de todos sem referendar as decisões importantes. Destruir paulatinamente o equilíbrio dos ecossistemas, transformar bairros airosos de ambiente equilibrado em aglomerados de betão, permitir complexos habitacionais de volumetria maciça sem consultar moradores, atafulhar zonas verdes depois de alterarem PDMs, não podem, não devem. Vender sonhos a quem anseia milagres, uma casa de renda económica, é imoral se não forem cumpridos e injusto para quem suporta os danos nas proximidades.

Entretanto vão ruindo prédios de belas fachadas, deixam-se cair portas e janelas que ainda contam histórias de vida e marcam períodos da História. Recuperar é um conceito em desuso, que prefere ceder lugar à degradação de belos exemplares de arquitectura civil e religiosa.

Algum endinheirado de dentro ou de fora comprará os imóveis para satisfazer outro santo chamado lucro, ou o mesmo com nova roupagem.

Volto atrás no tempo para mostrar a evolução de uma matéria publicada neste jornal em Julho de 2024. O panorama era então o de máquinas alisando uma pequena porção de terreno. Para um equipamento social de que tanto carecem cidadãos desprovidos de meios materiais? Para uma biblioteca que jovens das escolas próximas pudessem usufruir? Nada disso é compatível com o entendimento de progresso na cabeça de quem governa. O alisamento de terras, as máquinas que foram surgindo, os andares de tijolo sobre tijolo, destinavam-se a erguer monstros de betão mais volumosos do que os imaginados.

publicado em SIM SENHOR CAPITAL

O interesse dos cidadãos, tantas vezes invocado para justificar o nefasto, fica-se pelo nefasto. E até os discursos ocos, as fitas cortadas, as imagens feitas no momento das promessas, vão sendo removidas para arquivos a que poucos terão acesso.

Que os espaços pertencem à autarquia, como se os representantes não fossem mandatados por munícipes crentes de que a máxima de Lorde Acton “o poder corrompe” já estivesse vencida pelo cansaço, ou desacreditada por obsoleta.

As novas imagens não conseguem mostrar, do lado da rua principal, como vai ser ferida a serenidade do bairro. Toda ocupada, rente ao passeio vedado aos transeuntes, por veículos e camiões de grande cilindrada da gente das obras, não deixa colher imagens. Enretanto os cidadãos apeados  têm de repartir a via pública  com os automóveis que circulam.

permitir complexos habitacionais de volumetria maciça sem consultar moradores
transformar bairros airosos de ambiente equilibrado em aglomerados de betão

Do jardim que servia o bairro via-se o convento de Santa Maria do Mar (texto de 15 Março de 2023) um corredor de aragem vinda do oceano, benfazeja às vinhas que dele faziam parte. Tão enaltecida fora a sua recuperação pelos representantes da edilidade com parangonas e imagens para português ver!

Só que o Mosteiro em vez de dignidade ganhou, também ele, uma cauda de apartamentos que dizem a preços módicos para estudantes. Das vinhas, pretexto para ganhar votos, poucas cepas ainda restam. Assim o corredor que as deveria arejar, afinal é ocupado por um maciço de cimento que impede qualquer circulação de ar, benéfica para o equilíbrio do ambiente e dos moradores, mas desnecessária aos olhos de quem decide.

publicado em SANTA MARIA DO MAR

Triste destino o do concelho, refém da gula imobiliária que parece dominar até a inteligência dos autarcas. Perderam todos a capacidade de se colocar no lugar do próximo, só porque têm reursos para viver em locais protegidos? Também eles rendem homenagem ao capital, o deus dos grandes senhores? Então não se assumam como defensores do povo em slogans já sem viço, porque esses precisam de acreditar em outras entidadedes divinas.

Há falta de casas para toda a gente, proclama o altruísmo balofo.

Casas precisam-se, sim. E ruas, vias de escoamento para um trânsito em breve caótico. E garagens para os automóveis, dois por cada um dos 52 fogos previstos. Precisa-se de ordem, ordenamento primeiro. A desproporção de betão para o espaço livre é de assustar – uma área de construção de 12945,79 m2  num espaço reduzido.

Quando os problemas surgirem, já os senhores autarcas estarão longe, indiferentes. Como diria Eduardo Galenano, falta-lhes consciência para se apoquentarem com o futuro dos menos afortunados.

Só uma pergunta precisa de resposta urgente: irá o executivo baixar uma das mais altas contribuições autárquicas do país, depois de defraudar os anseios de paz e sossego de uma população desejosa de ambos?

Em nome de um conceito chamado dignidade, deveria fazê-lo pelos eleitores que confiaram no seu desempenho.

1 COMENTÁRIO

  1. Vai ser lindo o panorama desse bairro tão sossegado com mais obras ao pé das escolas que têm entrada por outra rua do bairro. Este país parece refém da construção civil à espreita de todos os bocados livres para levantar mais uns andares.
    Não há vergonha nenhuma nem lei nem autoridades que impeçam este atentado aos direitos das pessoas.
    Muito bem tecida está crónica e haja alguém que traga os assuntos importantes à discussão.

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