SIM SENHOR CAPITAL

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2034

Claro que a filosofia de Aristóteles em relação aos modos de governo, não era Ciência Política como agora a entendemos, mas é curioso comparar com os dias de hoje a classificação deturpada, diremos nós, que ele fazia.

Não digamos, comparemos.

Dos seis regimes que Aristóteles dividia em ideais e corruptos, juntava no lote dos últimos tirania, oligarquia, demagogia, este último aparecendo, em alguns autores como democracia. Não parece ser a mesma coisa, mas se há confusões estabelecidas pela designação semântica, a prática revela que têm muito em comum.

Não temos aqui realidades diferentes que se alternam, mas um conglomerado de vícios que hoje se dão as mãos para dominar todos os sectores da vida pública e sobre o qual, conglomerado, se edificam as mais impensáveis arbitrariedades.

O que une essa trindade é o capital, o lucro, os dividendos, que vão beneficiar uns quantos na estrutura dos poderes. As populações reclamam, fazem manifestações, apresentam queixa, mas continuam a sofrer o peso de erros alheios sucessivos.

Perguntamo-nos como aceitam ainda, daqueles que elegeram, os maiores atentados aos seus direitos básicos. Muito longe do princípio que devia presidir ao acto de governar, a moral em benefício das populações no conceito do filósofo, assiste-se a uma ousadia sem precedentes no abuso do exercício do poder em perfeita impunidade.

Não há sanções para crimes ambientais? Uma pergunta inútil, desculpem a ingenuidade.

Vem isto a propósito de mais uma construção inconcebível, desta vez no bairro da Quinta da Bela Vista, concelho de Cascais, que os moradores pensavam ser uma ideia abandonada. Não…as máquinas já alisam o terreno. As vedações que delimitam a área total de construção, 12 945,79 m2, foram colocadas em cima do passeio mais largo e chegam a impedir, numa extensão de alguns metros, um dos acessos ao jardim público. Podiam ser centímetros: o espaço público não deve sofrer impedimento de interesses privados. Nem os PDMs deviam poder ser alterados à medida do capricho dos autarcas.

Os dados que apresento são da AMQBVC, associação de moradores do bairro que muito se bateu para que o projecto não avançasse e que foi esclarecendo os habitantes locais da evolução do processo.

Os moradores que usaram as economias na expectativa de um ambiente equilibrado, com ar ainda respirável, com uns pedaços de chão para caminhar sem serem abalroados por automóveis fora das horas de ponta, ainda vêem o mosteiro de Santa Maria do Mar, também ele violentado, na sua pureza inicial, pelo acrescentamento de um braço lateral discretamente anexado ao lado mais escondido. À socapa.

Em breve os moradores dos lotes mais próximos deste novo empreendimento da Quinta da Bela Vista, não poderão ir à janela sem se sentirem emparedados uns, do lado norte, outros com vista obstruída para nascente, já que o maciço de betão contempla 52 fogos e 1542,76 m2 de áreas de comércio e serviços. Planear o passeio diário, recomendado pela Medicina Familiar, fora das horas de ponta, também será utopia. Todas as horas serão de ponta a partir do momento em que a obra se acabar e a circulação de veículos se tornar caótica.

O concelho de Cascais tinha personalidade e qualidade de vida, Hoje, de há uns anos a esta parte, é uma região atacada pelas mandíbulas da especulação imobiliária, que vem sorvendo sôfregamente todos os espaços verdes, a orla marítima, a beleza natural, num continuum de construções a que chamará progresso, mas que não passa de um abominável movimento de destruição das características naturais, do que já foi um belo pedaço de mapa: vila costeira e terras adjacentes.

Julgar-se-ão os autarcas deste país acima da lei? Perguntando de outro modo, estarão alguns isentos de a respeitar, quando são eleitos para um órgão de poder? É que o movimento alastra por quase todos os concelhos, construindo-se, destruindo-se à medida da vontade das autoridades locais, ou das críticas sucessivas dos munícipes ao mau gosto e à péssima gestão dos dinheiros públicos.

É por razões de lucro enquanto duram os mandatos? Será uma questão de medo ao poder económico traduzido numa triste sbmissão?

Sim, Senhor Capital, às suas ordens. Condene populações a ambientes irrespiráveis, à prisão nas suas casas. Invada, derrube árvores, apague o verde da coloração da vida. Fragmente a amplidão das vistas sobre o mar, para lotear o futuro.

Não tínhamos reparado que vivíamos em tirania, servida pela demagogia de oligarquias que  tomaram conta deste país e do mundo.

5 COMENTÁRIOS

  1. Excelente texto que expõe as feridas deste falso progresso que avança nas nossas cidades.
    Cascais está a ficar descaracterizada e numa autarquia que tinha por obrigaçao e note-se tem condições, manter o equilíbrio entre os diferentes espaços, mar, verde, construção edificada assistimos impotentes a verdadeiros crimes.
    Bravo! Aplaudo a lucidez deste texto.

  2. Tem toda a razão, a escritora deste texto. O dinheiro tudo consegue, infelizmente! Mas, se um cidadão comum quiser uma licença para montar uma pequena casa prefabricada, num terreno seu, sem incomodar quem quer que seja, sem tirar vistas a ninguém, são levantadas mil e uma dificuldades! Será que , com “luvas” tudo se resolveria? Que pais é este?!…

  3. O texto é bom, e um alerta precioso.
    De facto há uma subversão em curso da civilização que importa contrariar. Andámos distraídos, ou ingenuamente enganados, acreditando que os valores que promovem a elevação legítima da humanidade eram um bem adquirido. Na verdade, quem manda no mundo é o dinheiro. Sempre assim foi.
    Pontualmente, poderemos vencer algumas batalhas desde que haja empenhamento e indignação das pessoas, mas parece-me impossível ganhar a guerra.

  4. Quem não conhece esta triste realidade???
    Estes senhores (políticos, lei-se), depois de eleitos, tratam mas é da vidinha deles e o povo que se lixe, alguém tem de denunciar estes “bois” e chamá-los pelos nomes. Miserável país onde chegas-te?

  5. Agradeço a todos os que vieram aqui solidarizar-se com este problema. Bem hajam. Assim mesmo esperava que viessem mais, daqueles que pensam razoavelmente: hoje convosco, amanhã connosco. Só do bairro dariam para encher colunas. Mas estão de férias, acomodados nas suas casas. Quando houver sarilhos inevitáveis, andarão por aí a gemer.
    E depois queremos que o mundo seja unido.
    Um abraço aos presentes.

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