SANTA MARIA DO MAR

Era um pequeno refúgio nas terras de Sassoeiros, já no limite da freguesia de Carcavelos. Uma estrutura moderna concebida por três arquitectos de prestígio: NunoTeotónio Pereira, Pedro Vieira de Almeida e Nuno Portas. Fora encomendada pela Congregação das Irmãs Beneditinas da Rainha dos Apóstolos e habitada até 2010.

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Tinha uma igreja bonita, de planta irregular, iluminada por frestas como vitrais abertas ao exterior. Sempre encerrada a porta depois das orações do dia, abria-se aos habitantes locais para a missa de domingo. Quebrava-se assim o rigor da clausura dos de dentro, respiravam os de fora a paz sem ruído de um local idílico.

Cada cela minúscula como favo de abelha, tinha varanda condizente aberta sobre um espaço verde. Um pé ou outro de videira, árvores de fruto, legumes, abasteciam a comunidade de irmãs que vivia pacificamente cada dia. Em tempo de férias recebiam senhoras que queriam fazer um retiro espiritual, ou esquecer o ruído das suas vidas a maior parte do ano.

Neste momento está a ser acrescentado por um bloco de apartamentos que pretende condizer com a estrutura….Não interessa que se invoque a necessidade de residências universitárias a preços “módicos” (veremos), rentabilidade da área circundante, outro argumento qualquer. Há tanto imóvel devoluto a precisar de restauro, que podia ser recuperado com sobriedade e conforto para esse fim…O espaço verde que resta, ainda, é uma parcela ínfima de vinha, que pretende “engrossar” os núcleos que produzem as castas das marcas do Carcavelos.

A certa altura garantia-se, em entrevista gravada, que a ideia seria aumentar a área de plantação de vinha nos espaços limítrofes, mas o cerco imobiliário consegue ultrapassar barreiras. Estas cepas hão-de conviver com mais plantação de betão do lado de fora da cerca, num bairro que tem sido privilegiado. Privilégio sustentado pelo desafogo, pela vista de mar, e pelo preço que os moradores pagaram pelos seus apartamentos.

Não está certo. Como explicar aos senhores autarcas deste país, que há projectos que devem ser referendados…que o espaço público é deles e das pessoas que os elegeram…que alterar um PDM para encaixar em  cada nicho verde um bloco de betão, é um atentado ao ambiente? Completa descaracterização destas vilas pitorescas!

No lançamento da 1ªpedra das obras de requalificação do mosteiro

É esse mundo que querem legar aos descendentes? Pessoas acantonadas em rectângulos com o nome de bairros, que se tornarão prisões irrespiráveis num futuro próximo? Será impossível sair ou entrar com as mesmas vias de acesso, não pensaram?

Escoar o trânsito pela manhã, quando as crianças entram nas escolas, ou à tardinha na hora de regressar a casa, é um tormento. Nem todos podem viver em condomínios alheios a estas vertigens. Considerando que a cada apartamento correspondem duas viaturas, um prédio de grande volumetria, com quarenta fracções, estimam eles, quantos danos poderá causar?

Ninguém se lembrou de protestar contra a invasão do espaço de Santa Maria do Mar, que devia permanecer visitável como era? Nunca conceberam para o outro, fora da cerca, no bairro antes desafogado, um equipamento social para os mais carenciados?

O concelho precisa de residências sénior a preços comportáveis por uma classe média empobrecida. Também não tem biblioteca para jovens, centro de interpretação ambiental sobre a importância histórica das vinhas circundantes. E aposto que a tudo isto os arquitectos que vão erguer o compacto prédio, dariam uma resposta criativa se fossem chamados a fazê-lo.

Ainda que blocos de apartamentos sejam mais rentáveis a curto prazo, respeitar a Natureza parece ser o desafio mais urgente nos tempos que atravessamos.

Pelos menos jovens e por aqueles que dão agora os primeiros passos.

4 COMENTÁRIOS

  1. Excelente crónica.
    Só neste país se vê esta agressão à Natureza. Os pulmões das cidades vão sendo irremediavelmente atacados para mais construções. As pessoas cada vez mais afectadas em consequências da poluição, porque o sobrepovoamento dos lugares implica mais emissão de gases com efeito de estufa.
    As prioridades estão todas invertidas.

  2. Como eu sinto como se fosse minha e adiro a esta denúncia, tão eloquente! Nunca fui a Santa Maria do Mar, só a apercebia de longe, nem sabia que era visitável. Que pena…que falta fazem lugares como estes, mantidos no seu propósito inicial. Como o conventinho ficaria bem completado com um.equipamento social como os que a Helena Ventura Pereira refere, ainda por cima se a comunidade sente falta deles.
    Nesse concelho, como no de Oeiras, que lhe é adjacente e que conheço melhor, os atropelos à Natureza são constantes. Que se desiluda quem conseguiu criar os filhos por aqui ainda com espaços verdes à volta. E que por essa mesma razão terá optado por se fixar nestes lugares: os netos não verão mais do que betão e filas de trânsito intermináveis para sair e regressar a casa.
    Obrigada por denunciar!

  3. Visitei esse espaço ainda no tempo que era habitado pelas irmãs Beneditinas. O edifício bem enquadrado e a sua bonita capela. Tal como a autora lamento profundamente que uma nova estrutura vá ocupar parte do espaço verde e perguntou-me como irão ser solucionados os problemas que a residencial vai somar ao já caótico trânsito.
    Felizmente que ainda há vozes que se insurgem contra estes atentados ao ambiente que estão a apagar a identidade deste belo concelho.

  4. A construção continua a invadir todo o Concelho de Cascais a uma velocidade vertiginosa. Alteram-se PDM para construir com mais densidade descaracterizando completamente áreas como o Estoril e outras. Ao mesmo tempo, vai a Câmara de Cascais invadindo, espaços como os referidos nesta crónica, a Serra de Sintra e os últimos espaços verdes no limite do seu concelho como se fosse dona de tudo, com floreados de argumentação ambiental, construindo muros, murinhos e muretes, vedando os espaços, construindo, asfaltando, criando infraestruturas e promovendo atividades ruidosas e poluidoras. Assim, se vai dando continuidade à degradação da qualidade de vida dos indígenas do concelho! Claro, tudo com dinheiros alheios vindos da europa, dos munícipes ou dos negócios imobiliários que avassalam o concelho! O preço a pagar por isto é elevado para quem vive no concelho com o aumento da poluição, do ruído, dos constrangimentos de trânsito e na qualidade de acesso aos lindos espaços da outrora encantadora vila de Cascais, Estoril e arredores de serra e mar.

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