Adão e Eva?

- O “jardim da arte e do conhecimento” é tão vasto, e a vida tão curta, que não se pode desperdiçar minuto. Confinados os corpos pela pandemia, há que soltar os espíritos na revisitação dos recantos que mais nos seduzem…

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1962

A frondosa “árvore” da Arqueologia sempre me atraiu: por proporcionar histórias fantásticas e um constante tropeçar em segredos ocultos; pelos ramos que projeta sobre mistérios ainda por revelar; mas, sobretudo, por abrir novas pistas para uma melhor compreensão da génese do pensamento humano… de onde viemos, onde estamos e para onde vamos.

Tendo apreciado, ao longo da minha vida, inúmeros artefactos de quase todas as civilizações e épocas, esta é a altura certa para tecer comparações e extrair algum “sumo”: não uma “xaropada artificial”, adocicada com diletantismos detestáveis; antes um “extrato” despretensioso, isento de “corantes e conservantes”.

Nem podia deixar de ser assim. O território é tão fértil e a “produção caseira” tão abundante que, embora a necessitar de cuidados, toda a nossa “fruta” dispensa aditivos. Um clima privilegiado, a não concorrência com outras espécies, uma orografia que permitiu bons abrigos e o “confinamento” imposto pelo oceano facilitaram suaves povoamentos que aqui deixaram marcas geniais. Portugal é, de certeza, um dos países mais ricos do mundo, em achados arqueológicos.

Eis uma pequena amostra de um conjunto de milhares de peças do Paleolítico, porventura a mais copiosa e variada “jazida” encontrada numa só “estação”, em todo o planeta. Preservada desde há décadas, na sequência de uma abusiva extração de areias destinadas a cimento, toda esta “Pré-História” passou, entretanto, por estórias incríveis. 

Evitando páginas que ferem consciências, resumo a saga recente desta coleção a três frases: foi corajosamente salva, perante a intimidação ou mesmo o saque de diversas entidades, então alertadas; apesar de ulteriores tentativas, a “ciência oficial”, na aparência comprometida a orientações superiores, nunca ousou “tratá-la”; pior ainda, a “cultura vigente”, servida de quadros legais que permitem leituras transviadas, ainda hoje confunde este “resgate in extremis” com atos de pirataria. 

Um verdadeiro sarilho, num país moderno que é confrontado com um “achado” fabuloso, não obstante já estar irremediavelmente desenquadrado do local de origem, onde devia ter merecido oportuna “autópsia”. Um conjunto que, ainda assim, encerra “novidades” que devem promover uma profunda reflexão técnica, pois sugere uma das mais antigas “oficinas paleolíticas” do mundo e indicia a passagem de hominídeos, pelo nosso litoral, durante centenas de milhares de anos. Até à ocorrência de um cataclismo, muito mais recente, talvez há trinta mil anos…

Pela sua morfologia e composição, estes artefactos apontam ainda para que o povoamento da Europa se tenha iniciado pelo Estreito de Gibraltar, a partir dos povos berberes. Nada que surpreenda, porque esta é a tese recentemente adiantada por autores que se baseiam em estudos genéticos e que põem em causa a “verdade científica” de sermos caucasianos, tal como a generalidade dos europeus.

Longe de mim, um amador em áreas em que deve dominar a ciência, ousar promover opiniões mal fundamentadas, muito menos pôr em causa pessoas ou instituições em concreto. Porém, de tudo quanto vi até hoje, posso garantir que muita da nossa melhor arqueologia se encontra ainda por referenciar e na posse de particulares. Preocupado em “salvar” esse património, há muitos anos que procuro estancar o fluxo de algumas dessas peças para o estrangeiro, adquirindo-as e doando-as a entidades em que confio. Nos últimos meses, contudo, talvez devido a problemas de tráfego e dificuldades financeiras, têm-me sido exibidas peças incríveis, antes inimagináveis.

Estas são as imagens de duas “urnas funerárias” quase intactas, que há semanas me foram presentes para avaliação. Terão sido encontradas há cerca de setenta anos, perto de Chaves, por um arqueólogo amador. Não sendo perito, calculo que estas obras geniais possam ter sido criadas entre 4000 a 2200 AC.

“Património da Humanidade”, esta “Eva” e este “Adão”, bem “portugueses” antes de Portugal, mais do que peças raras que só nos podem encher de orgulho, espelham de forma soberana o feminino e o masculino, uma constante ainda presente na matriz sociocultural do nosso povo.

Um bom pretexto para, ligando tudo numa numa próxima crónica, desenvolver um tema bem polémico… que é a “igualdade de género”. Afinal, mais uma oportunidade para nova “excursão espiritual” em tempos de confinamento físico.

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