Desde que Luís Montenegro assumiu o cargo de primeiro-ministro em abril de 2024, dois clientes da empresa de consultoria Spinumviva, fundada por ele, obtiveram contratos públicos que totalizam mais de 90 milhões de euros. Formalmente, a empresa passou para o nome da mulher e dos filhos de Montenegro em julho de 2022, mas o entendimento geral é que quem continuou a tocar aquilo parece ter sido sempre o “Ervilha”.
Note-se que a doação da quota de Luís para a dona Carla não elimina nenhum dos eventuais conflitos de interesse, tanto mais que eles são casados em comunhão de bens adquiridos.
Portanto, conforme tem sido amplamente noticiado, temos uma empresa do primeiro-ministro que presta uma panóplia de serviços a clientes que têm relações com o Estado, seja em concessões de jogo ou em contratos diretos.
Depois de sabermos da Solverde e da Ferpinta, Montenegro viu-se obrigado a confirmar que, entre outros, também a ITAU e a INETUM, são clientes da Spinumviva. Estas empresas celebraram vários contratos com entidades públicas, incluindo a Comboios de Portugal (CP) e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, totalizando cerca de 92 milhões de euros.
A Spinumviva foi descrita, em diferentes contextos, como consultora em proteção de dados pessoais, prestadora de consultadoria geral ou “especialista” em áreas sem atividade declarada concreta. Esta ambiguidade no objeto social levanta suspeitas de que a empresa era usada como plataforma polivalente, adaptando-se a oportunidades, nomeadamente com empresas que depois viriam a obter contratos públicos.
Montenegro jura que nunca deu um jeitinho, nunca recebeu um único robalo que fosse. Infelizmente, tentou esconder estas relações que o comprometem, pelo menos em termos de ética, porque da corrupção falará a Procuradoria Geral da República (PGR) quando entender fazê-lo.
O anterior primeiro-ministro, António Costa, demitiu-se em novembro de 2023 depois de ser referenciado, ainda que indiretamente, num comunicado da PGR no âmbito da operação “Influencer”, relacionada com negócios de lítio, hidrogénio e centros de dados. Embora mais tarde tenha ficado claro que não era formalmente arguido, Costa afirmou que a simples menção do seu nome, sendo primeiro-ministro, comprometia a autoridade moral e institucional do cargo, levando-o a abdicar voluntariamente da função. Essa decisão foi amplamente interpretada como um gesto de elevação do padrão ético na política portuguesa.
Luís Montenegro, não se demitiu perante a revelação de que empresas clientes de uma empresa que fundou (e que é detida pela sua família) receberam dezenas de milhões em contratos públicos durante o seu mandato.
A questão, portanto, não é apenas jurídica, mas profundamente ética e política: trata-se da perceção de conflito de interesses e da confiança pública nas instituições democráticas.
Costa posicionou-se como defensor de um padrão ético elevado, enquanto Montenegro está a adotar uma postura mais defensiva e legalista, alegando que não existe incompatibilidade formal. Faz lembrar a metáfora do “gato escondido com o rabo de fora” que resume bem a perceção de muitos cidadãos quanto às tentativas de Montenegro esconder a Spinumviva. Isto, depois dos compadrios evidenciados com a construção da sua sumptuosa residência em Espinho.
Com isto, Montenegro enfrenta crescente desgaste, veremos com que custos políticos dentro de alguns dias, quando o povo for a votos.