MAIS UMA GUERRA

Parece inevitável um ataque dos EUA contra o Irão. Os americanos têm estado a demonizar o regime iraniano por causa do programa nuclear do país, dizendo que se trata de um programa militar e não civil e que o Irão estará à beira de ter uma arma nuclear e que isso não vai ser permitido. Na região já há uma potência nuclear, Israel...

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A tensão entre os EUA e o Irão já dura há décadas, mas parece que agora está mesmo a atingir um novo pico. O discurso americano tem-se intensificado, sobretudo em torno da ideia de que o Irão está perigosamente perto de conseguir uma arma nuclear, uma “linha vermelha” que, segundo muitos decisores políticos em Washington e Tel Aviv, não pode ser ultrapassada.

É interessante (e contraditório) o facto de Israel já ser uma potência nuclear e isso não levantar o mesmo tipo de alarmismo ou ameaças de intervenção. O argumento habitual é que Israel é um “aliado responsável”, enquanto o Irão é retratado como um “regime desestabilizador”. Uma retórica que não cola coma realidade.

Vários analistas consultados indicam que a decisão de atacar está tomada e que as negociações em curso serão apenas cortina de fumo para ajudar a compor a narrativa dos bons contra os maus, sendo os muçulmanos os maus evidentemente. Não seria a primeira vez que vemos esse tipo de estratégia: construir uma narrativa moralista, com um forte apelo emocional, para justificar uma ação militar já decidida nos bastidores. O padrão é conhecido: demonizar o inimigo, usar os media para amplificar o medo e criar consenso interno e internacional.

A VINGANÇA DOS AMERICANOS

O Irão é apresentado como um vilão ideal nesse contexto: muçulmano, teocrático, desobediente à ordem geopolítica dominada pelo Ocidente, e aliado de atores que os EUA classificam como “terroristas”. Acresce a isso o ressentimento histórico desde a Revolução Islâmica de 1979, a crise dos reféns, o apoio ao regime sírio e os recentes confrontos indiretos com forças americanas e israelitas na região.

A retórica da “bomba nuclear iminente” serve bem a um guião semelhante ao caso do Iraque em 2003 com as famosas (e nunca encontradas) “armas de destruição maciça”. A opinião pública ocidental é assim moldada para aceitar o inevitável como necessário, quase virtuoso. E há um subtexto claro quando o inimigo é muçulmano, o maniqueísmo é reforçado, os “bons” defensores da paz e da civilização contra os “maus” bárbaros que ameaçam o mundo livre.

HAVIA UM ACORDO NUCLEAR COM O IRÃO

Falta-me só lembrar que foi Trump (no primeiro mandato) que retirou os EUA de um acordo existente com o Irão, o JCPOA de 2015. Era um acordo em que o Irão aceitava limitar o enriquecimento de urânio, pelo qual desmantelou centrifugadoras e permitiu inspeções da AIEA em troca do levantamento de sanções.

Quando os EUA, sob Trump, saíram do acordo unilateralmente em 2018, apesar de o Irão estar a cumprir os termos segundo a AIEA, ficou claro que o objetivo ia além do nuclear. Os americanos querem mudar o regime iraniano, tudo o que fazem tem esse objetivo em vista. Agora, chegámos ao atual estado em que o ataque parece iminente.

Tudo indica que há uma “outra via” em preparação, a militar. A história recente mostra-nos que, quando os tambores da guerra começam a soar com tanta intensidade, raramente se volta atrás. Quem paga o preço não são os presidentes nem os generais sentados em gabinetes em Washington ou Teerão. São os civis. Sempre os civis.

Se o Irão for atacado, será um desastre humanitário e regional de proporções incalculáveis. Tal como foi no Iraque de 2003 ou na Líbia de 2011. E o mais cruel é que tudo se faz em nome da “liberdade”, da “paz” e da “segurança global”. Depois vêm os discursos sobre reconstrução, eleições democráticas, “estado falhado”, tudo envolto numa retórica de salvação que serve apenas para mascarar o saque e o caos.

É angustiante ver esse ciclo repetir-se.

O PAPEL DE ISRAEL

Acabei de ler que o ministro dos negócios estrangeiros de Israel acompanha de perto as reuniões entre os representantes dos EUA e do Irão e que após cada reunião tem um encontro com os americanos para ser atualizado a par e passo. Israel quer o confronto, o regime israelita aguenta-se no caos, desenvolve-se no caos.

O facto de o ministro israelita estar a par de cada detalhe das negociações mostra quem realmente tem peso nas decisões que estão a ser preparadas. Não é uma diplomacia multilateral genuína, é um teatro com guião conjunto entre Washington e Telavive, onde o Irão, por mais que participe, já entra derrotado.

Israel tem interesse num confronto. Desde há décadas que vê o Irão como o seu maior inimigo estratégico. O caos regional fortalece a posição de Israel como aliado indispensável dos EUA, reforça o seu papel de potência militar e desvia atenções das suas próprias políticas, nomeadamente o genocídio dos palestinianos em curso às mãos do exército sionista.

O regime israelita aguenta-se no caos. E mais: aprendeu a geri-lo, a transformá-lo em legitimidade. A cada ataque sofrido, ganha margem para retaliar com força desproporcional. Publicita o seu estatuto de “única democracia do Médio Oriente” cercada por inimigos bárbaros. É uma narrativa muito eficaz, sobretudo para consumo externo. Apesar de ser mentira.

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