A contratação de médicos cubanos pelo Governo português gerou uma onda de indignação, nomeadamente nos meios conotados com a direita política. Curiosamente, os argumentos de combate a esta iniciativa são da cartilha da esquerda: preocupação com os direitos dos trabalhadores.
A Iniciativa Liberal alerta o país que os médicos cubanos ficam sem a maior parte do salário porque há uma agência estatal cubana que intermedeia o negócio e se apodera de uma grossa fatia do que é pago aos médicos. Terá sido assim em 2009, quando Sócrates contratou cubanos pela 1ª vez.
A Amnistia Internacional vem dizer que a Iniciativa Liberal tem razão ”quando se refere ao acordo celebrado em 2009 para a contratação de médicos cubanos, e vários casos internacionais demonstram que a prática do governo cubano era habitual”.
Venho agora eu e confirmo que sempre ouvi dizer o mesmo. O Estado cubano tem um negócio montado com a exportação temporária de médicos e enfermeiros. O destino destes profissionais de saúde, na maioria dos casos, são países africanos ou asiáticos onde as estruturas de saúde pública são frágeis e as populações têm uma esperança de vida demasiado curta.
Para além do salário, em alguns países os médicos e enfermeiros cubanos têm direito a casa e, muitas vezes, ainda acresce subsídio para alimentação e apoio nos transportes. Depende dos países onde estão colocados. Por exemplo, em Timor-Leste as casas dos médicos cubanos eram mesmo ao lado do Hospital Guido Valadares e eles iam e vinham a pé.
As minhas experiências com médicos cubanos ocorreram em Timor-Leste, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e em… Portugal. A maioria dos que encontrei eram clínicos gerais, mas também havia dentistas, infecciologistas, oftalmologistas, enfermeiras parteiras, entre outras especialidades clínicas.
Tenho boa opinião dos médicos cubanos. Sem meios de diagnóstico sofisticados, demonstraram sempre capacidade de escutar, entender os sintomas, diagnosticar e tratar sem erros. São médicos que tocam nos pacientes, não têm nojo de corpos cobertos de mazelas. Quando necessário, praticam aquilo a que se pode chamar “medicina de guerra”, onde os procedimentos são sempre urgentes e executados no fio da navalha.
Claro que em Portugal os hospitais e centros de saúde onde esses médicos cubanos serão colocados, estão a “milhas de distância” da falta de condições que eles enfrentam na maioria dos países onde atuam. Mas isso é bom. Teremos médicos bem treinados para a maioria dos casos que engrossam as filas de espera no atendimento clínico do SNS. Merecem ser pagos ao mesmo nível dos médicos portugueses, isso será da mais elementar justiça. Esperemos que as garantias dadas pelo ministro da Saúde sejam cumpridas. Mas nunca notei que a questão remuneratória lhes atrapalhasse a vontade de tratar os pacientes. Por mim, podem vir de novo.
Quanto às preocupações da Iniciativa Liberal, apetece dizer-lhes que “é a economia, estúpidos!”, mas espero que não fiquem por aqui. Com tantas empresas a atuar em Portugal, nacionais e estrangeiras, com comportamentos inaceitáveis de exploração de mão-de-obra, os deputados da IL vão ter pouco descanso. Assim queiram.
O mundo em que vivemos tem uma mecânica degradante.
Por um lado, os estados de origem ganham com os profissionais que “exportam” por certos períodos de tempo.
Nos países que acolhem essa mão-de-obra, não raro são explorados e têm de viver do que entenderem pagar-lhes.
E como se tudo isso não chegasse, ainda “são usados” pelos oportunistas políticos que tentam colher dividendos da situação, acusando os antagonistas de responsabilidade.
É preciso muita dignidade desses profissionais para esquecer tais misérias e fazerem um trabalho empenhado, como diz Carlos Narciso.