João Real, menino ou monstro?

João Real nasceu com Síndrome de Asperger, circunstância que o vai condicionar para toda a vida. O que se passou com ele é consequência disso mesmo e de uma série inenarrável de circunstâncias extraordinárias da investigação policial que levaram a polícia a prender alguém, na presunção de que essa pessoa estava a preparar um ataque terrorista na escola que frequentava.

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Síndrome de Asperger é um distúrbio neurológico que pode implicar défice cognitivo em doses muito variáveis. Digamos que não há dois casos iguais. Défice cognitivo pode significar dificuldade de aprendizagem, de processamento de informação e de decisão sobre problemas a resolver. Ou seja, um “Asperger” vive numa realidade própria, mais ou menos próxima da nossa, mais ou menos parecida com aquilo que consideramos ser a “normalidade” ou a “realidade”.

João Real nasceu com essa circunstância de ter Síndrome de Asperger. Será ele inimputável face à Justiça? Poderá ser julgado e eventualmente condenado, sem se levar em linha de conta a sua condição de “Asperger”? A realidade para um “Asperger” tem a mesma dimensão da que outras pessoas apreendem? Isto é, será que vemos as coisas da mesma maneira?

Na dificuldade em obter respostas assertivas, procurámos saber o que pensam sobre isto pessas que vivem intimamente com o Síndrome de Asperger. Responderam-nos Rita Nolasco e Paulo Tavares.

Rita diz que “todas as pessoas são diferentes umas das outras, com os seus traumas e suas vivências. Autistas/Aspergers não se catalogam, são seres humanos todos diferentes uns dos outros com traços comuns, obviamente, mas que a vivência, a educação, os traumas os vão moldar como moldam qualquer ser humano. Não existem fórmulas. É preciso olhar para cada ser humano como um todo, tendo síndrome de Asperger ou não, todas as pessoas são únicas.”

Paulo diz que “é legítimo que seja julgado, mas como qualquer outro tem de se avaliar se está na posse das suas faculdades… Ser Asperger não me parece ser neste caso qualquer atenuante.” Paulo acrescenta que “um ‘Asperger’ não vê o mundo da mesma forma, mas ninguém vê. E cada caso é mesmo um caso. Não há uma resposta simples.”

Para Rita há que ter em conta se a pessoa em questão tem défice cognitivo e em que grau. Será esse o caminho que a Justiça terá de levar para poder julgar o caso deste jovem que, até aqui, foi tratado como um delinquente.

“Gostava que o juiz tivesse em conta o que tem de ter”, diz Paulo Tavares, que acredita que ser “Asperger” não irá despertar compaixão de um juiz. Mas a condição de “Asperger” tem de ser avaliada e validada pelo sistema de Justiça. Se alguma vez João Real se sentar no banco dos réus, o tribunal tem de saber ao pormenor quem está a julgar. Aliás, deveria ser assim com qualquer um.

Comunicado da APSA

Entretanto, a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger divulgou um comunicado onde diz que “a violência e a agressividade não são características da Síndrome de Asperger, pelo que não pode ser feita qualquer associação direta entre os atos de violência descritos pela Comunicação Social e esta síndrome”.

Na verdade, não há atos descritos nos media. Primeiro, porque o suspeito não os chegou a cometer. Depois, porque os media apenas têm feito eco das suspeições que constam no comunicado inicial da Polícia Judiciária, e em pequenas fugas de informação sobre o que consta no processo, mas sem grande critério jornalístico.

(artigo atualizado às 17:22)

3 COMENTÁRIOS

  1. “Síndrome de Asperger é um distúrbio neurológico que pode implicar défice cognitivo em doses muito variáveis.”

    Sindrome de Asperger, per definição, não tem deficit cognitivo associado; a SA já nem sequer existe como diagnóstico distinto de autismo, mas enquanto existiu uma das condições para alguém poder ser diagnosticado com isso era “There is no clinically significant delay in cognitive development or in the development of age-appropriate self-help skills, adaptive behavior (other than social interaction), and curiosity about the environment in childhood.”

      • Mas formos pelo menos pelas definições da OMS (ICD) ou da APA (DSM), nem sequer “pode” – isto é, déficit cognitivo clinicamente relevante era por si só razão para uma pessoa não poder ser diagnosticado com SA (alguém que tivesse todos os outros sintomas da SA mas que além disso tivesse deficit cognitivo era diagnosticado com PDD/NOS ou com autismo clássico – ou seja, na prática SA era o nome que era dado ao autismo quando NÃO vinha acompanhado de deficit cognitivo).

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