‘Fentanyl Express’ é uma série de 7 reportagens da agência Reuters que acaba de vencer o Prémio Pulitzer de reportagem de investigação. O Pulitzer é considerado o “Óscar” do jornalismo, mas talvez apenas por ser uma “coisa” americana. Em todo o mundo há prémios de jornalismo de grande prestígio, mas menos publicitados.
Nada disto tira valor ao trabalho de reportagem premiado, como é evidente. Para produzir ‘Fentanyl Express’, os repórteres tiveram de entrar nos meandros do comércio internacional de drogas químicas. Compraram os ingredientes necessários para produzir fentanyl, revelaram como os produtos químicos chineses que alimentam a invasão de opioides sintéticos nos EUA são surpreendentemente baratos e fáceis de obter e demonstraram como as autoridades americanas não conseguem parar este comércio mortal. Desde que esta droga entrou no mercado norte-americanos já morreram cerca de 450 mil consumidores, nos últimos anos.
A partir dos EUA, México e China, os repórteres evidenciaram os esquemas utilizados pelos fornecedores chineses para enviar legalmente os produtos químicos baratos que servem para produzir fentanyl. Como primeira consequência deste trabalho jornalístico, o Governo dos EUA mudou a legislação que permitia a importação desses produtos que, no entanto, podem ser encontrados noutras paragens e até mesmo nos EUA, embora mais caros. A droga deixará de ser tão barata, mas não vai desaparecer.
A equipa da Reuters é composta pelos jornalistas Maurice Tamman, Laura Gottesdiener, Stephen Eisenhammer, Drazen Jorgic, Daisy Chung, Kristina Cooke, Michael Martina, Antoni Slodkowski e Shannon Stapleton. Quando uma redação pode empenhar tempo, recursos e nove jornalistas para trabalhar um tema, só pode dar bom resultado.

A CRISE
É preciso dizer que o fentanyl é uma droga clínica produzida em laboratórios farmacêuticos e que é usada como anestésico ou como medicação contra a dor. Começou a ser produzida nos EUA em 1968. O problema é que o composto artesanal é muito mais forte que o laboratorial e é consumido diáriamente e em doses demasiado fortes, o que cria uma dependência orgânica muito difícil de contrariar.
O elevado consumo desta droga, que tanto pode ser injetada como fumada, tem mais problemas do que o mero consumo. A primeira consequência é revelada pelos índices crescentes de problemas de saúde mental, sendo o suicídio uma das principais causas de morte prematura, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.
Neste processo de degradação da saúde mental, muitas pessoas tornam-se sem abrigo. As estatísticas americanas dizem que o abuso de substâncias tipo fentanyl contribuiu para o aumento de pessoas sem-abrigo em 68%. Mais de 74 mil mortes foram atribuídas ao fentanyl em 2024, pelo Centro Nacional de Estatísticas de Saúde (NCHS).

No ano passado, o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD) contabilizou perto de 700 mil pessoas sem-teto nos EUA. Pessoas que vivem em abrigos de emergência ou que dormem ao ar livre, em carros e em edifícios abandonados.
