Os milagres de Nª Sra. da LAPA

Memórias de um santuário da Beira Alta

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A Lapa ou Senhora da Lapa é uma pequena povoação do concelho de Sernancelhe, situada no coração das Terras do Demo, como lhes chamou Aquilino Ribeiro.

Deve a sua existência a essa manifestação do sobrenatural que foi o aparecimento de Nossa Senhora a uma pastora ainda criança, num tempo que a tradição situa por ocasião de 1500, o que veio a gerar um rápido concurso de romeiros, muitos deles à procura de milagres.

Sernancelhe. Lapa. Santuário de Nossa Senhora da Lapa. Construção jesuítica do séc. XVII

Divulga-se a notícia, ocorrem os milagres, constrói-se modesta capela e, depois, um santuário. E logo os Padres Jesuítas ali implantam um colégio, para educação de rapazes que teriam, depois, acesso às carreiras do foro ou do sacerdócio.

Santuário de N. Sra. da Lapa

D. José concederá, um pouco mais tarde, título de vila ao povoado; mas o Marquês de Pombal, ao expulsar os Jesuítas em 1759, promove a decadência da pequena aldeia, onde a devoção, todavia, permanece.

Os padres jesuítas, que, por mercê de D. João III, assumiram a direcção do Colégio de Coimbra, receberam, entre outras benesses que o Rei lhes concedeu, os rendimentos de várias paróquias da Beira Alta. Entre elas estava Quintela, aldeia de onde era natural a pequena pastora, de nome Joana, à qual, segundo a tradição, a Virgem se terá manifestado sob a forma de pequena boneca de brincar.

No colégio, recuperado para ensino de rapazes nos finais do século XIX, estudará Aquilino Ribeiro, durante cinco anos. E a ele se deve o pequenino texto de “O Livro do Menino-Deus” que se transcreve, lá onde deixa uma pequena mas expressiva memória alusiva aos inúmeros ex-votos, esses quadrinhos pintados que relatam os factos que os devotos romeiros consideravam como intervenção divina e lhes chamavam de «milagres».

Leia-se:

As paredes da igreja, azulejadas, alegravam infinitos ex-votos, alguns estranhos e românticos como o palhabote a arder no alto-mar e o romeiro da cobra, metade dentro, metade fora da boca. Outros, anedóticos, contavam em adorável desenho e tintas à Rousseau Douanier a historia do pestífero moribundo, com a família de joelhos e mãos postas à roda do leito, a Virgem aereamente no último plano, e o exergo: Milagre que f. N. S. da Lapa…

(Ribeiro, Aquilino, O Livro do Menino-Deus, Libraria Bertrand, 1945, p. 101)

Perderam-se muitos ao longo do tempo; mas resta ainda, como património do santuário, cerca de uma centena. De entre este conjunto, trinta painéis retabulares pintados sobre madeira ou folha-de-Flandres, restaurados, foram expostos no pequeno mas expressivo “Museu do Ex-Voto”.

O Museu apresenta também outra tipologia destas Memórias, como sejam as figurinhas de cera, corpos ou cabeças de criança, braços, membros inferiores ou outras figurações bem como alusões às ofertas, mais raras, em moeda, às ofertas de quantidades de trigo (cereal) equivalente ao peso do miraculado.

Ali se representam, com o título de teses, uma espécie de longos lenços de seda, onde os estudantes da Universidade de Salamanca agradeciam o favor celeste concedido pela Senhora da Lapa, por ocasião da defesa das suas teses, cujos enunciados das questões a defender neles se inscrevem.

Nas anuais romarias de 10 de Junho, uma das quatro principais romarias anuais, há paróquias de uma vasta área envolvente que ali vêm em procissão agradecer antigo milagre que a Senhora da Lapa fez, destruindo as “lagartas” que prejudicavam a colheita de castanhas, ao tempo “pão”, bem essencial. Alguns, hoje os portadores de Cruz e Bandeiras, trazem rosários de castanhas ao pescoço, guardadas para o efeito.

A romaria de 15 de Agosto é a mais frequentada. Todavia, não há dia no ano em que não passe peregrino por aquele lugar. E há sempre milagres a agradecer, ainda que tal já se não faça com a graça ou a poética desses antigos tempos.

1 COMENTÁRIO

  1. De Margarida Sobral Neto
    9 de janeiro de 2025 09:56
    Começo por te agradecer este escrito do Dr. Alberto Correia que me faz lembrar as memórias de infância.
    A minha família materna era de Quintela da Lapa e a imagem da Sr.ª sempre despertou em mim um grande fascínio.
    A romaria foi sempre muito frequentada por romeiros vindos de longe. Nos inícios do século XVIII, um temporal provocou a queda de uma ponte em Celorico da Beira. O Juiz de Fora transmitiu ao Rei o acontecimento, alegando urgência de reparação da ponte e invocando a impossibilidade de os romeiros se deslocarem à Srª da Lapa.
    Um beijinho da Margarida

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