Aviso à navegação: não é fácil, trata-se de uma narrativa complexa que retrata a sociedade de um país que nos é distante, mesmo se há uma História comum entre a Índia e Portugal. Não é uma História muito feliz, é verdade. Mas a culpa não será do povo indiano.
Disseram-me que é bom ler um livro que retrate um país por onde viajamos. Em parte é verdade, se não estivesse a ler O Ministério da Felicidade Suprema enquanto viajava pela Índia jamais teria compreendido o olhar das hijras que nos semáforos e nos cruzamentos se aproximavam do rickshaw a pedir esmola. A sociedade indiana não tem sido muito complacente com transexuais, empurrando essas pessoas para a mendicidade ou para a prostituição. Mas o mesmo ou parecido se passa noutras geografias e mesmo na Europa as pessoas LGBTQ não têm dias sossegados.
Com este livro, a escritora Arundhati Roy deve ter reforçado alguns anticorpos na sociedade indiana e, principalmente, na classe política indiana. Escreveu uma crítica social feroz, não poupa nem religião nem injustiças sociais nem violência política.
É um livro para quem se interesse pela complexidade da cultura e da política da Índia. Boa parte da narrativa é protagonizada por Anjum, mulher trans em busca do seu lugar. Anjum é um nome muçulmano que significa “dádiva de Deus” e revela como a autora se empenha nas contradições da sociedade onde vive.
Arundhati usa uma personagem sofredora para representar um grupo social de que pouca gente gosta, uma comunidade marginalizada e abusada. Anjum torna-se num símbolo de resistência contra os abusos e a discriminação.


A Índia que eu vi durante 33 dias de viagem, desde Mumbai (no norte) até Cochim (no sul) não encontrei no livro de Arundhati. Encontrei um povo místico mas cheio de bom humor, de sorriso fácil. Um povo que gosta de viajar pelo seu imenso país, não apenas em peregrinação para participar em festivais religiosos mas também para se divertir e adquirir conhecimentos sobre a sua própria História, afinal o tijolo fundamental para a construção de uma Nação. O Ministério da Felicidade Suprema é uma ficção cruel que se desenrola nos bairros superlotados de Deli e nas montanhas de Caxemira, o campo das batalhas entre a Índia e o Paquistão. Os meus caminhos foram por Diu, Gujarate, Maharastra, Damão, Goa, Karnataka, Kerala. Fiquei assim a conhecer duas partes distintas da Índia. A que Arundhati Roy descreve e a que eu vi.
E fizeste muito bem em partilhar connosco não apenas o conteúdo (forte) do livro mas também – e eu diria ‘sobretudo’ – o que te ficou como impressão geral desses 33 dias por paragens bem exóticas. Parabéns!