PINTOR DE MILAGRES

CARLOS MASSA – Um popular artista de Sernancelhe, Beira Alta.

0
303
ex-voto pintado por Carlos Massa

Os populares pintores de ex-votos ou milagres, como também se diz, só muito raramente assinavam as tabuinhas que pintavam com tintas por eles mesmos fabricadas e o engenho inato com que despertaram, que escola não tinham, às vezes nem a das primeiras letras.

Não obvia este dizer ao caso de célebres pintores, que ocasionalmente responderam a encomenda que lhes foi feita. Tal é o caso, em Viseu, do Pintor José de Almeida e Silva, de quem se guarda um excelente exemplar na Igreja da Misericórdia de Mangualde.

Carlos Augusto Massa (1842-1926) foi muitas coisas, desde lavrador com algumas posses a tesoureiro da Câmara de Sernancelhe, durante trinta anos de onde se aposenta, mercê da cegueira e debilidade que o atingiram, situação de que ficou registo expresso nas actas da Câmara onde serviu, pela Junta Médica a que foi sujeito.

Mas Carlos Massa foi também pintor de ex-votos ou milagres. Talvez aquele de quem se reconheçam mais registos, cerca de cinquenta tabuinhas. Decerto parte de outras mais que terá pintado e que hoje ainda povoam as capelinhas modestas para onde foram encomendadas ou para santuários de vastas romarias, como o da Senhora da Lapa, na povoação desse nome, do concelho de Sernancelhe.

Meda, Penedono, Sernancelhe, Moimenta da Beira, Sátão, territórios da Beira Alta e do Alto Douro, indiciam já uma vasta área onde era reconhecido o seu saber e os familiares dos portadores de doença ou dos acidentados a quem o Céu tivesse curado, requeriam a sua arte através de contacto directo ou mediado por alguém que o fizesse e lhe transmitisse a natureza do testemunho gratulatório que quereriam apresentar na capela ou santuário junto de seu orago.

O ingénuo mestre requeria conhecer o nome de quem agradecia o voto antes feito, o nome do miraculado, às vezes a naturalidade, a figura tutelar invocada e a natureza da doença ou do acidente e a data e talvez outros pormenores que o ajudariam a definir o padrão a construir. Depois, era com ele. E, uma vez a obra pronta, seria entregue pelo encomendante na capela ou santuário da figura tutelar que se invocara, Nossa Senhora da Lapa, Nossa Senhora da Guia, das Necessidades, dos Remédios, Nosso Senhor dos Passos, Nosso Senhor da Aflição, etc.

Carlos Massa talvez se fizesse pagar do seu trabalho em dinheiro contado, mercê de alguma abastança de uma casa de família de boa lavoura. Outros pintores receberiam frutos da terra como recompensa.

Penedono. Antas. Carlos Massa (1884). Ex- voto a Nosso Senhor da Aflição e a Nossa Senhora dos Carvalhais.

Agradáveis de ver ainda estas ingénuas pinturas, onde o Céu se revela, acolhedor, através da imagem que, no geral, ocupa a direita alta do cenário, sustentada por nuvens e anjinhos, cenário mais vezes composto por um quarto de dormir onde repousa o enfermo. Junto dele, sobre uma mesinha, o sinal dos remédios tomados, a cama feita de lavado, como em dias de Páscoa de aldeia com a festiva coberta, essa colcha de lã e linho tecida nas tecedeiras da região e que apenas se colocava num leito em ocasião festiva ou de visita de médico.

Ao lado do leito, os familiares do miraculado, no geral de joelhos, vestindo à moda da terra, olhavam a figura tutelar que respondera aos seus apelos.

Às vezes, é um acidente que acontece. Uma mulher que caiu de uma árvore. Um carro de bois que tombou.

Carlos Massa assinou apenas uma das pinturas de entre as muitas que conhecemos, com o seu apelido – Massa. Quanto bastou para lhe reconhecer, através do seu marcado estilo, a autoria da cerca de meia centena de pinturas que executou e permanecem. Felizmente que algumas em Museu.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui