TANTO QUE MUDOU NA VIDA DA GENTE

Cenas da vida saloia (III)

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No tempo do regime de Salazar, começaram-se a ver alguns filmes nas aldeias saloias. Havia uma carrinha que percorria as coletividades para passar filmes. Conseguia-se ver o Zé do Telhado, que roubava aos ricos para dar aos pobres.

Alguns homens não sabiam ler, o que não era impedimento para aprender música. E começaram-se a criar grupos de músicos que, mais tarde, viriam a dar filarmónicas. Alguns músicos concorriam a bandas das Forças Armadas porque, se tivessem que ir para a guerra, sempre poderiam ir para as bandas dos batalhões onde fossem colocados, com destino a Angola, Moçambique, Guiné. Assim, sempre havia menos probabilidades de virem com alguma deficiência física, como pode acontecer quando se vai para a guerra. Neste caso, uma guerra injusta, para satisfazer os grandes interesses de um regime ditatorial como o Salazarismo.

Na altura, só ia estudar quem fosse rico ou vivia bem. Nos pobres, as raparigas iam servir. Algumas eram tratadas como escravas pelos grandes burgueses que agiam como se fossem donos delas. Os rapazes iam para pastores. Quem conseguia andava na escola até fazer a 3ª classe obrigatória. Por volta de 1945, começou a ser obrigatório fazer a 4ª classe.

Saindo da escola, alguns miúdos iam logo aprender um ofício como pedreiro, serralheiro, carpinteiro e outros. Normalmente tinham 10, 11, 12 anos. No caso da carpintaria, a oficina tinha secção de bancos de carpinteiro, existia uma serra manual que era feita pelo próprio. Era montada para pessoas direitas; se fosse canhoto, tinha de aprender a trabalhar à direita. O mesmo acontecia na escola.

Recordo alguns nomes próprios da carpintaria. Assim a serra tinha as armas, o alfeizar, o  trabelho, os tornéis, o cordel, a folha de serra em aço. Na secção de máquinas, falava-se da serra de fita, da garlopa, da desengrossadeira, furar de correntes, furar de brocas, tupia. Os ferros para esta máquina eram feitos pelo próprio mecânico de carpinteiro a partir de molas dos amortecedores de camionetas de carga.

Na oficina, também havia uma casa de banho e o refeitório com lareira para se aquecer os almoços e cozer batatas. Normalmente, batatas com bacalhau ou atum de lata. Era onde o pobre melhor chegava.

Por volta das oito e meia, o puto ia à padaria comprar papos-secos;  passava na mercearia e na taberna, comprava uma fatia de queijo e uma ‘bombinha’, que era uma garrafa de cerveja de 3,5 dl mas cheia de vinho tinto. Depois, ia ajudar nas máquinas. Às 11 horas, cozia as batatas e aquecia os almoços; às cinco, limpava as aparas da oficina, que punha no abrigo com um telheiro. Mais tarde, viria uma camioneta que levava as aparas para os fornos de cozer telhas em barro.

Temos também pessoas na nossa história mais recente que ficaram conhecidas no mundo: Amália Rodrigues, Eusébio (o «Pantera Negra») e Joaquim Agostinho. Havia em algumas tabernas um quadro na parede que dizia:

No fado temos a Amália,
No pedal o Agostinho,
No futebol o Eusébio
E nesta casa o bom vinho.

Em 1974, no dia 25 de Abril, soldados, cabos, sargentos, oficiais, sob o comando do Capitão Salgueiro Maia, trouxeram a liberdade para Portugal com a Revolução dos Cravos.

Desde esse dia somos livres de dizer, de sonhar, de rir, de pensar, de chorar, de escrever, de tocar, de cantar, e as cantigas são também a voz e a arma de um povo.

(todas as fotos são de Alfredo Cunha)

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