Injectar-se com azeite espanhol

Há uns anos, quando alguém descambava e perdia o bom senso, a rapaziada dizia que ele se injetara com azeite espanhol. O mercado português ficara, então, inundado de azeite falsificado vindo da vizinha Espanha…

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Ocorreu-me a frase, perdoar-se-me-á, ao saber que Nuno Palma, português, com cerca de 40 anos de idade, professor catedrático de História Económica na Universidade de Manchester, decidira escrever o livro As Causas do Atraso Português – Repensar o Passado para Reinventar o Presente, assim a modos de recordar o tema que Antero de Quental escolhera para a segunda das Conferências do Casino, a 27 de Maio de 1871: «As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos».

Explico porquê. Para já, não se descortina bem o que é isso de «atraso». Como o dos aviões ou o dos autocarros? Estes, a gente sabe que é em relação ao horário previsto. Agora, o de um povo só pode ser em relação ao caminhar de um outro ou de outros. E, se não se especificam quais, pode pensar-se – como pensou o Professor Diogo Ramada Curto na revista do jornal Expresso do passado dia 16 (p. 29-33), no seu eloquente artigo – que Nuno Palma acha que está «Portugal na cauda da Europa».

A obra, editada pela D. Quixote, com data de 2023, tem sido muito vendida – diz-se que é um best-seller – e ainda bem para a editora! Não será bem, contudo, para a ciência histórica como muitos de nós, profissionais dessa ciência, a entendemos.

Tenho, pois, de justificar a referência às nefastas consequências da ingestão do tal azeite espanhol.

Apenas recorto duas frases da obra citada. Sei que não sou lá muito correcto, porque as extraio do contexto; penso, todavia, que elas valem por si. Ora leiam-se:

– «Pombal foi a pessoa mais diretamente responsável por condenar Portugal a séculos de atraso educativo» (p. 167), nomeadamente por ter expulsado os Jesuítas (explica-se);

– «O Marquês de Pombal foi talvez o pior político de sempre a governar Portugal» (p. 290).

Também diz o Professor Doutor Nuno Palma que o Liberalismo e a República foram épocas em que Portugal bateu no fundo e que o Salazarismo nos anos 50 foi o tempo da viragem, que voltou atrás depois do 25 de Abril, pelo menos no que respeita à economia (exceptue-se, esclarece, o governo de Cavaco).

Facilmente se compreende serem, estas, afirmações deveras controversas, carentes de fundamentação em dados económicos tangíveis e eficazes, que o autor, porém, não apresenta.

Não admira, por isso, que, na revista, se chame a «caixa» a frase de Ramada Curto a consubstanciar bem conhecida afirmação: «As suas ideias originais não são boas e as boas não são originais». Simpaticamente, uma apreciação dolorosa…

«Pouco importa – escreve Ramada Curto – que, no capítulo final, o autor dê mais uma cambalhota inesperada, para assumir que as suas opiniões são subjectivas», ou seja, alinha «com uma agenda neoliberal, repetindo uma lengalenga, cujos contornos são fáceis de reconhecer».

E termina:

«Nuno Palma terá de escolher, nos seus trabalhos futuros, por um lado, o ofício de historiador, à maneira de Jaime Reis, interessado em aprofundar a análise económica (…) e, por outro lado, uma carreira como intelectual público neoliberal, que escreve livros com espírito militante e panfletário».

Doutra sorte, «corre o risco de estar a construir a casa pelo telhado. Um risco que não parece muito calculado, mas que, bem feitas as contas, o pode levar a falhar no seu ofício de apontar causas e explicações para grandes processos de mudança social».

Confesso que tudo isso me surpreendeu, mormente porque lera ter sido Nuno Palma bafejado já com «vários prémios» e, portanto, não hesitei e pus-lhe o nome no motor de busca. Anoto duas ou três frases que colhi:

– «Na busca das origens de um Portugal pobre» é o título de um artigo publicado a 21-10-2016; nele afirma o Doutor Nuno Palma que o culpado foi o século XIX, uma «autêntica desgraça» para Portugal, como se percebe, afirma, duma «investigação à história económica do país»;

– Em entrevista concedida a Luana Augusto, da Sábado, a 29-9-2023: «Portugal cada vez mais será visto como a Cuba da Europa, uma curiosidade» e até os nossos «políticos bastante maus» são reflexo do atraso que acumulamos desde o século XVIII;

Concluindo: Valerá a pena levar a sério análises «históricas» desprovidas de bases concretas minimamente válidas? E, hoje, 22 de Fevereiro de 2024, até apeteceria perguntar:

«Atrasados nós? Em quê? Em relação a quê? O Diogo Ribeiro não se adiantou a todos os demais e não se sagrou campeão do mundo em 50 e em 100 metros mariposa?».

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