Porventura por influência da tradição algarvia do «Atacar o Maio» (de porta em porta, arrebanhando gente e saboreando um cálice de medronho) ou porque, um pouco por toda a parte, em Portugal, se celebravam as Maias ou os Maios – o certo é que já na década de 40 o hábito estava enraizado.
O pessoal demandava, manhã cedo, a orla marítima de Cascais ao Guincho; instalava-se num recanto da Quinta da Marinha (nessa altura, de acesso inteiramente livre) e os mais dotados e experientes, cana na mão, lá se empoleiravam nas rochas a pescar. E era o peixinho apanhado, bem fresquinho, portanto, que, amanhado a preceito, ia servir para a caldeirada.
Quem não ia à pesca tratava do resto: os gravetos para a lareira improvisada de três lajes ao alto, pinhas, maravalha; descascar batatas, preparar o pimento e o tomate, descascar as cebolas…
Na hora aprazada, peixe quanto baste pescado, um deles, o mais habituado, tratava de apaladar a caldeirada rica, sempre com uma pitadinha de picante a puxar a pinga, um tinto carrascão de Torres, em garrafões de cinco litros.
Enfim, tarefas a fomentar comunidade, uma comunidade de amigos que assim festejavam o Maio. Na Torre chegou-se mesmo a criar um grupo – creio que ainda existe – o ViròTacho, cuja composição foi passando de geração em geração, sempre submetida, porém, ao consenso geral de aceitação.
As legislações subsequentes, designadamente a de não se poder fazer fogo em zona de matas, e o facto de os proprietários da Marinha terem outras ideias, fizeram com que a tradição da caldeirada junto ao mar se perdesse. Perdeu-se ali; mas continua a manter-se, qual ordem sagrada, na casa de cada um. Na freguesia de Cascais, mormente na sua zona ocidental, comer caldeirada no 1º de Maio é regra respeitada!
Do lado de lá, a nascente, os canteiros saloios também não deixaram cair a tradição, embora a orla marítima lhes não ficasse tão perto. Por isso, desde há muito que se reúnem no 1º de Maio. Foi na oficina do Clérigo; desde há uns anos, no barracão – que é museu (veja-se…!) – do Carlos Sabido.
E lá estivemos de novo este ano. Guilherme Cardoso, presidente da Associação Cultural de Cascais, fez a reportagem fotográfica, todos nós fizemos o aconchego do estômago com uma caldeirada, como sempre, bem apaladada, não fosse de muitos anos a experiência do Carlos. Canteiros já mui poucos são; operários doutras profissões se têm ajuntado ano após ano; desta feita, quase chegámos às quatro dezenas!
Almoço saboreado, cálice de bagaço a rebater, a fotografia do grupo. Para recordar. Na esperança de que, para o ano, todos ainda possamos voltar à confraternização. Ali mesmo – se a Câmara se não lembrar de demolir o barracão para permitir que cresça ali, em vez dos produtos hortícolas, mais uns muros de cimento, mesmo à beirinha da ribeira.
Para celebrações destas ninguém me convida… Pudera…caldeirada com peixe acabado de apanhar!
E eu até sou “operária” de muitas profissões honrosas, acho democrático colaborar no cozinhado e gosto de barracões-museus.
O Museu da Caldeirada, com os tachos e os jarros de vinho pendurados, seria uma boa forma de preservar o local.
Todos homens, bem se vê, mas mulheres vestidas a preceito não seriam notadas.
Eis uma forma nobre de festejar o 1º. de Maio.
Di-lo alguém com esperança de provar um dia a bendita caldeirada.
Creio que mulheres nunca irão provar esta caldeirada… organizem-se, façam uma caldeirada para mulheres empoderadas e convidem-nos.
Muito bem, falta só encontrar o espaço.
Mas a ideia do Museu foi minha.
E já agora, um homem que nega a entrada feminina NESSA caldeirada de varões, quer ser convidado para provar a das senhoras?