A ocasião faz o ladrão

Solidariedade, fraternidade, respeito pelas convenções são temas que só servem para emoldurar discursos de circunstância porque, na hora do aperto, funciona o “eu primeiro”.

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É chocante ver como a tradicional bonomia, o nacional porreirismo do português se transfigura completamente quando está em jogo algo de muito apetecível que deixa emergir uma catadupa de atitudes negativas, selvagens, próprias de predadores. E o pacífico, educado e sorridente cidadão português que diz “antes do mais, bom dia, boa tarde, boa noite” na televisão antes de iniciar sábias respostas a desgastadas perguntas, transfigura-se num ser desprezível, corroído pelo poderoso e tão apreciado “já agora….”, dominado pelo escondido egoísmo, chico espertismo, conveniente oportunismo a cujas forças ocultas não resiste. É próprio de quem se julga acima de tudo, acima de todos, e se elege ao paraíso dos todo-poderosos.

Apropriarem-se do que não lhes é devido é o que menos afeta os seus sonos. Atropelar a ordem estabelecida ignorando todo o trabalho de quem gastou horas a delinear um plano de vacinação nacional destinado a todos escorrega-lhes na pele da indiferença própria de uma casta.

Prenhes de poder local, quais imperadores de polegar para baixo na arena das conveniências, partem e repartem e ficam com a melhor parte imbuídos de quero, posso e mando. Mesmo sem razão e sem autorização apropriaram-se às escondidas de bens sociais excedentários na convicção de que ninguém iria dar por isso.

É inevitável estas atitudes abusivas não despertarem sentimentos de repulsa, mesmo de revolta, potenciadas pelas desculpas esfarrapadas e aviltantes de alguns que vieram justificar em público as razões do irrazoável.

As televisões agradecem o bónus de ficarem com o tema da semana.

Pessoas responsáveis de instituições de solidariedade, autarquias, INEM descobriram subitamente que estão também na linha da frente na luta contra a covid. Aproveitando sobras, saíram dos seus lugares nas listas e decidiram unilateralmente vacinarem-se e vacinarem familiares e amigos. Acham-se todos prioritários. Foram centenas de doses.

“A utilização indevida das vacinas contra a covid-19 pode constituir conduta disciplinar e criminalmente punível, em face da factualidade concreta que venha a apurar-se em sede de inquérito”, afirmou o Ministério da Saúde em comunicado. Descobertos e denunciados, aguarda-se a actuação do Ministério Público.

ex nihilo nihil fit, nada surge do nada.

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