Noites frias. Dois sacos cama, uns cartões por baixo, a cama está feita. Manuel Ildefonso dorme no quarto verde. O quarto azul já não tem teto. Antes de adormecer dois desejos: que o teto do quarto verde não lhe caia em cima e que os ratos não lhe mordam muito.
“Já fui mordido nas mãos”, diz-nos quando lhe perguntamos se se sente seguro naquela casa. A ruína já foi habitada por mais pessoas. Foi um outro sem abrigo de Sintra que lhe indicou o sítio. Dividiram o espaço durante algum tempo. Depois, o outro partiu, à procura de qualquer coisa. Também já lá moraram uns estrangeiros, turistas de pés descalços. Ficaram pouco tempo. Manuel ficou sozinho, como sozinho está na luta que trava por uma casa social da Câmara Municipal de Sintra.
A autarquia que compra quintas e palácios para a pompa e circunstância de uns almoços com “Very Importante Persons” deixa munícipes a viver na indigência. É um facto.
“Há 8 anos que me inscrevi para uma casa da Câmara”, diz quando nos relata a vida que a volta deu. A doença oncológica, o desemprego na construção civil, a família desfeita, as rendas em atraso e o apoio que recebeu dos serviços sociais da autarquia: “deram-me uma vez mil euros para pagar rendas em atraso”. E pagou, mas acabou por perder a casa. Passou a viver no automóvel. A Polícia Municipal rebocou-lhe o carro sem invocar qualquer razão legal. A EMES nunca lhe passou uma multa. É quase certo que a Polícia Municipal retirou o carro ao senhor Manuel por pressão da autarquia. Já aqui falámos nisso antes.
O relato é este: “vieram oito homens da Polícia Municipal. Não me deram nenhuma explicação. O meu carro tinha seguro e selo, estava tudo conforme a Lei. Não me deixaram tirar nada do carro. Fiquei sem nada. Roupa, comida, foi tudo com o carro”. Foi em maio de 2019. Manuel Ildefonso passou a dormir no chão da rua. Agora, com o frio e a chuva, dorme na casa sem teto.
A queixa que apresentou na GNR pelo que aconteceu com a viatura, nunca surtiu qualquer efeito. Manuel Ildefonso tem uma explicação interessante para isso: “o comandante da Polícia Municipal é proveniente da GNR, tem uma patente mais alta que o comandante da GNR”, pelo que deve haver aqui alguma obediência castrense a paralisar a GNR. É plausível.
Aos 63 anos de vida, Manuel Ildefonso está em protesto permanente junto à Câmara Municipal de Sintra. Porque quer uma casa. “Preciso de um T2 porque tenho uma filha de 13 anos”, diz. Não aceita casebres. Prefere continuar na rua a ir para instituições onde enfiam pessoas em camaratas, porque “são centros de contágio de doenças”, justifica-se. E deve ter razão.
A prepotência vai até às ameaças. Segundo diz, avisaram-no de que “iria passar o resto dos dias na prisão”. Mas Ildefonso não se sente atraído por serviços de cama, mesa e roupa lavada. “Vivo do RSI, são 180 euros por mês”. Mas já vimos que não será isso que o vai fazer vergar.
