Mais significativa não poderia ser, porque o espólio escolhido para nesses baixos figurar até 14 de Setembro, veio do Museu do Neo-Realismo, de Vila Franca de Xira, onde se albergam os testemunhos artísticos mais notáveis do que foi, pela Arte e pela Cultura em geral, desde meados do século XX, a resistência à falta de liberdade.
Creio ter ouvido quem nos guiou na visita inaugural, David Santos, director científico do Museu, dizer que, em vez de «neorrealismo», ele gostava de falar de «realismo do Povo». Na verdade, por via dessas esculturas, desenhos e pinturas, é o Povo, são as Pessoas que nos olham, nos interrogam, clamam! Clamor a não deixar ninguém indiferente.
«[…] O que aí se constrói, a partir de um apelo mais consciente da realidade social, é a defesa de um humanismo crente na construção de um mundo melhor, onde os mais desfavorecidos terão a sua oportunidade, na qual recai esse plano de transformação, apoiado nas ideias de resistência, ação e progresso.» – escreveu David Santos no catálogo.
Aliás, uma das colecções do Museu do Neo-Realismo é ‘A Família Humana’, tema sobre que Jorge Calado, o outro curador desta exposição em Cascais e o curador desse núcleo em Vila Franca de Xira, esclarece tratar-se de uma colecção de fotografias de âmbito internacional, de que algumas foram agora selecionadas para estar presentes em Cascais. Recorda o título o que foi essa ideia nascida «à sombra da Estátua da Liberdade», donde emanou The Family of Man, «a mais célebre exposição de fotografia de todos os tempos, que abriu em Nova Iorque em 1955 […] e circulou por 36 nações em todos os continentes». Aí se evocavam «as sete idades humanas, do nascimento e da infância ‘choramingando e bolsando’, à morte, ‘sem dentes, sem olhos, sem sabor, sm nada’.
Uma exposição, esta, como se depreende, a contemplar sem pressas.
Paramos diante da menina Tristeza, de Maria Barreira; uma terracota… triste! Quedamo-nos perante o mármore branco, frio, polido, da «Menina Sentada», de Maria Barreira também.


Perguntamo-nos, por que razão este menino, de mui vistoso chapéu alto e amarelo e de pampilho nas mãos, tem pés de pato. Admiramos o dramático óleo «Touro», de Júlio Pomar (1960).


E ainda sobra tempo para um olhar atento, mais uma vez, para o magnífico tecto em abobadilha à maneira antiga que nos abriga. E, ao sairmos, surpreende-nos Carlos de Oliveira, com um excerto retirado de «O Aprendiz de Feiticeiro»:
«Releio o articulado e suspiro. Lembrem-se que estou diante das estrelas. Afinal referi-me apenas à conjuntura exterior do processo, digamos assim. Mas o que ele exige antes de mais, deixemo-nos de lérias, é o alicerce duma personalidade diferenciada. o talento que modela a névoa interior, sílaba a sílaba, até lhe dar um rosto próprio. Sem isso, nada feito; não há processo que me valha…
E, aqui para nós que ninguém nos ouve, as estrelas parecem cada vez mais longe». Sim, elas estão cada vez mais longe, Carlos; mas as pessoas, essas, é que precisam de estar cada vez mais perto!
