VIRIATOS

PÃO DOCE REGIONAL (Uma invenção do nosso tempo)

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Quando se nos oferece tratar dos manjares doces que muito apreciamos, deparamo-nos sempre com a questão da sua invenção e questionamo-nos sempre acerca do lugar, da origem popular, fidalga ou freirática, e do registo histórico do seu nascimento.

Assim acontece em Viseu, onde subsistem residuais heranças, que apontam para uma determinada origem de alguma doçaria, tal a das “Castanhas de ovos” de requintada apresentação e delicioso sabor, cuja receita foi trazida, ainda nos finais do século XVI, quando algumas monjas do Mosteiro de S. Miguel de Vila Boa (Sátão) vieram povoar o recém-criado Mosteiro do Bom Jesus. E de igual proveniência terá vindo também a receita do actual “Pão de S. Bento”, na origem designado como “Pão de Manteiga do nosso Patriarca S. Bento”, que se confecionava, há mais de 300 anos, nos dois dias de festa deste santo patrono e se destinava ao consumo festivo das monjas e aos ditos “cumprimentos”, essas atenções devidas pelo Mosteiro a seus benfeitores.

Numa coisa assentamos, a nossa apetência pelas coisas doces satisfeita em ancestrais tempos pela colheita de frutos doces e do mel, mais tarde garantida pela utilização do açúcar já desprendido do seu uso de mèzinha.

Não sendo fácil equacionar a origem e o desenvolvimento de uma doçaria de mera raiz popular, com fraca utilização de açúcar e abastança de farinha, e de uma doçaria de privilégio onde as gemas de ovos e o açúcar são ingredientes de abono – que, ao caso, associamos às casas monásticas femininas que a herdam, no geral, dessas fidalgas casas-mãe de onde as Religiosas eram, em boa parte, originárias – é a partir do encerramento das casas monásticas e conventuais (1834), a que segue o empobrecimento e o lento desaparecimento das religiosas que então povoavam essas casas, que as sofisticadas receitas religiosamente guardadas extravasam para o exterior do cenóbio, ganhando lugar num mercado que as potencia junto de classes mais abonadas, umas, transitando outras para uma mercadoria de feira ou romaria onde outra já prevalecia.

Pão doce de Viseu

Nada disto se passa com os conhecidos VIRIATOS, emblemático pão doce de Viseu, guloseima de alargada procura. Pelo seu familiar nome – que os liga à lendária figura de Viriato, que, todavia, é, também ele, figura real de uma história situada – alguém poderá julgar, como acontece com outros registos doces, que terão sido criados num velho tempo efabulado. Mas assim não foi. Os VIRIATOS são uma invenção do nosso tempo. À sua origem, nos fastos de Viseu, não preside uma poética narrativa!…

Verdadeiramente, os pequenos passos que levaram à criação do VIRIATO remontam ao concreto ano de 1955, quando uma brigada técnica da Fábrica Portuguesa de Fermentos Holandeses, L.da, a exemplo do que já havia feito noutras cidades do país, se desloca a Viseu para fazer demonstrações junto dos industriais de panificação acerca da melhor forma de operar um melhor e mais saboroso pão, de desenvolver produtos novos e, ao caso, concretamente em Viseu, o fabrico de um pão doce regional ao qual é dado o nome de VIRIATOS.

Talvez não tenha sido estranha à criação do nome a titularidade de Viriatos pela qual ficaram conhecidos os militares do Regimento de Infantaria 14, que, poucos anos antes, em 10 de Julho de 1951, Dia do Viriato, haviam transitado do seu quartel em espaços do antigo Convento de S. Francisco, a espaldas do Rossio, para o local onde actualmente se mantém.

Ou tão só a evocação dessa figura real e mítica, como se disse, que Brás Garcia de Mascarenhas associa na sua pretensa epopeia, Viriato Trágico, à nossa dita Cava de Viriato, herói depois assumido como uma das figuras tutelares da urbe.

Foi assim que, no dia 14 de Abril do Ano do Senhor de 1955, a horas de merenda, no Restaurante Royal desta cidade, se servia aos industriais de panificação e a convidados, pela primeira vez, ainda quentes, os primeiros Viriatos, confeccionados pela tal brigada técnica.

E logo as padarias da cidade, as Padarias da Beira, L.da, a Padaria Serra, a Padaria Madeira e outras passam a confecionar esse familiar bolo doce, apetecível em cada manhã, ao passar-se frente à boca das padarias e seus depósitos e ao sentir o cheirinho bom do pão cozido.

Viriatos prontos a saborear. Foto José Alfredo

A receita

E em breve o adoptariam as pastelarias locais, como a Bijou e outras, vindo até nossos dias, com esse formal desenho de um “V” que homenageia o herói fundador, ainda que hoje se não cumpram de todo as pacientes voltas que os padeiros de então davam à massa-mãe (farinha de trigo) e aos ingredientes (ovos, coco ralado, açúcar, margarina, sal, fermento de padeiro e o designado melhorante – aditivo químico).

Não se apregoam, aqui, as demoradas voltas da massa até ao tender da mesma, do sábio recobrir a massa estendida com o gostoso recheio adrede preparado, até que, finalmente dobrado, se recobre a capa com uma fina camada de coco, ovos e açúcar, recortando-se, então, com uma espátula, os bolos em forma de “V” que um pequeno golpe no topo fará ressaltar as hastes da simbólica letra. Sobre tabuleiro de folha-de-flandres irão ao forno; polvilham-se, ao sair, com açúcar em pó e ficam prontos para servir à nossa mesa ou para os saborear, ao jeito de criança, rua fora, distintos e apetecíveis.

Viriatos – Ingredientes para seu fabrico (farinha, ovos, açúcar, coco ralado, água, margarina, fermento). Foto José Alfredo.
 

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