Vem já da Idade Média a piedosa prática de arvorar “cruzeiros”, esses singulares monumentos de ingénuo traçado algumas vezes, outras vezes artísticos e solenes, testemunhos de fé com que se assinalavam festos de colinas, encruzilhadas de caminhos, adros de povoado ou praça de cidade, piedosos marcos, sempre, de uma fé operosa, tantas vezes guia de peregrinos de ermida ou santuário maior.
Os “Cruzeiros da Independência” (de Portugal), apologética e também poética criação do Padre Francisco Moreira das Neves (1906-1992), nasceram de uma concreta proposta que ampliava, nos caminhos do sagrado, o patriótico projecto delineado pelo Estado Novo para comemorar o Duplo Centenário da Fundação de Portugal (1139/1140) e da Restauração da sua Independência (1640), faustosa celebração que ocorreria em 1940.

Lançada a ideia aos microfones da Emissora Nacional, em 1938, logo ganhou terreno na corporação religiosa da Acção Católica e, sustentada através da argumentação contida no texto “Uma Cruz basta para dizer, na História, quem é Portugal”, publicado no jornal Novidades, em 31 de Dezembro de 1939, no mesmo texto lhe delineia caminho para a concretização, determinando, ao mesmo tempo, os destinatários da mensagem: todas as freguesias de Portugal!
A proposta é que levantem “no local mais conveniente da terra, um cruzeiro de pedra com legenda que fique a lembrar às gerações do futuro a celebração do Duplo Centenário”.
Acautelando, todavia, as dificuldades que poderiam surgir junto de povoações mais pobres, lembra que uma simples lápide com os estatuídos dizeres

pode ser acoplada a algum antigo cruzeiro que exista no lugar.
E isso aconteceu muitas vezes.




Desta maneira, a festiva celebração do Duplo Centenário que se projectava para um tempo que ficou contido no Calendário de 2 de Junho a 2 de Dezembro de 1940 e cujas iniciativas de vulto se programavam para algumas das maiores cidades (Lisboa, Porto, Coimbra, Guimarães), sedes de distrito e sedes concelhias, tocaria assim «todos os recantos de Portugal e o povo rústico ouvirá falar da sua pátria, da sua história e da sua fé», como se dizia no Manifesto que propunha o seu levantamento.
E a ideia vingou.
Vilas, aldeias e lugarejos levantaram esses memoriais de fé, tantas vezes inaugurados com solenes festejos de que fizeram eco jornais de província que, ao tempo, se publicavam.
E lá resistem, tais cruzeiros, às vezes transferidos de lugar por exigências urbanísticas, padrões cujo transitório sentido e emoção patriótica do momento se transferiu para o monumento, quase sempre de ingénuo lavor, ora discreto semióforo de uma doutrina facilmente apreendida.
