A conversa

Abro o papel de prata, vou  comer um folhado, o resto é para a ceia. Mas como o outro também, estava com fome e não sabia. Fechei o jantar com a quiche de cogumelos.

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O estômago serenou, a cabeça foi parar à conversa, a tal, em que deixei cair defesas, em parte porque ela também. Voltei a um assunto miseravelmente sagrado, falei sem filtros e falei também de quem penso ser, da farsa que penso ser. Há muito que não metia os dedos nestas feridas e isso incomodou-me sem que, na altura, tenha reparado.

Foi só quando cheguei a casa que recapitulei a conversa e ainda estou sem saber ao certo porque abri o livro da minha tumultuosa existência. Em parte porque ela também o fez, em parte…

Com o silêncio da sala senti que as feridas não estão assim tão abertas afinal, que falar de assuntos escondidos não fez assim tanta mossa.  Doer, dói sempre, mas não rasgou nenhum bocado de carne. Foi mais como esfolar os joelhos. Estão mais no passado do que acreditava. Sim, foi bom falar em voz alta de assuntos escondidos, doridos, com demasiado…demasiados.

Voltei ao silêncio da sala e abri portátil. Precisei de algo absolutamente perfeito. A perfeição está bem escondida no popular como escancarada no “intelectual”. E lembrei-me do Piçarra, mais do que me lembrar do meu Benfica. Ouvi o hino três vezes, alto e em bom som, literalmente. Escrevi. Gravei, fechei a folha e fui ver o noticiário.

Ainda vou voltar ao Piçarra esta noite, beleza precisa-se para balançar o escondido e dorido demais… ou, afinal, se calhar de menos.

O tempo passa e o YouTube vai passando. Chega a outra perfeição. “Haja o que houver… espero por ti”. Não sabia na altura como esta música seria tão literal na minha vida. Ele não voltou no vento, mesmo que tenha pedido por favor. Mesmo que sinta sempre um nó na garganta outro no coração, eu sei quem ele é para mim. Haja o que houver espero por ti. Para além da história de amor sofrida, tudo é perfeito por aqui e a voz dela faz-me sempre chorar. A perfeição tem este efeito em mim. Ele será sempre, sem dor, um amor intemporal.

Fui buscar água oxigenada e limpei as feridas ligeiras, a betadine ardeu um bocadinho, só um bocadinho. As feridas não estão saradas, ainda, mas não é o coração que as fará sarar, não, esse é o que as mantém abertas. É a cabeça, é o racional que irá sará-las com a mesma rapidez que se arranca um penso rápido. De uma só vez.

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