OS NOSSOS AVÓS, OS ALANOS

Está patente desde o dia 2 de Novembro, no Palácio da Cidadela, em Cascais, a exposição O Legado dos Alanos. Aí se mostram, como no catálogo se assinala, «armas, vestuário e artefactos domésticos caucasianos». São peças preciosas da colecção «do empresário e filantropo osseta Vladislav Khabliev, há algum tempo residente em Cascais».

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Situa-se o Cáucaso na fronteira entre a Europa e a Ásia. Aí vive perto de uma centena de povos, de que resultou uma simbiose de culturas. Os Ossetas descendem dos Alanos; aliás, a sua cultura – língua, mitologia, os dados arqueológicos e antropológicos – prova que o povo osseta nasceu da união entre a população autóctone e os Alanos que ali chegaram.

Decidiu Vladislav Khabliev propor à Fundação D. Luís I que lhe fosse dada a possibilidade de partilhar o espólio que, ao longo dos anos, fora ajuntando, na intenção de salvaguardar testemunhos do que o povo alano deixara nas suas paragens. A exposição apresenta, pois, «réplicas das armas alanas do século V, peças de vestuário sármata e trajes do Rei Ataces e da sua esposa Cindasunda, princesa sueva, que estiveram na origem da cidade de Coimbra».

«Depois dos Romanos vieram os Vândalos, os Suevos e os Alanos», aprendemos nós, nas primeiras letras, quando a professora nos contava os primórdios da História de Portugal. Bárbaros eram esses povos – e não se falava mais nisso! Dos Suevos, se calhar, ainda se falaria, porque se fixaram lá para as bandas de Braga e organizaram o território a que mais tarde se chamaria Minho. Os Vândalos passaram, sim, mas depressa se escapuliram para a Andaluzia. E dos Alanos que rasto há?

Jorge de Alarcão a eles se referiu no livro O Brasão de Coimbra e as Origens da Cidade (Coimbra, 2023), referência que sintetizou nas páginas 204-210 de Memórias de Coimbra (Coimbra, 2023), dando conta do que, a esse propósito, escrevera Frei Bernardo de Brito, na sua Monarquia Lusitana:

«Ataces, rei dos Alanos, destruiu a cidade de Conimbriga e resolveu construir outra onde hoje está Coimbra.

Andava construindo os muros quando foi atacado por Hermenerico, rei dos Suevos. Derrotado, Hermenerico fugiu para o Norte; mas, perseguido por Ataces, viu-se forçado a pedir a paz. Foi esta selada pelo casamento de Cindasunda, filha de Hermenerico, com Ataces.

A donzela do brasão seria Cindasunda; a copa simbolizaria a boda; o leão seria o timbre de Ataces,; a serpente (ou o dragão) o de Hermenerico».

E comenta Jorge de Alarcão:

«Baseou-se o frade alcobacense em documentos reconhecidamente falsos, por ele mesmo inventados para dar credibilidade à história. Não tem o mínimo fundamento a destruição de Conimbriga por Ataces nem a fundação de Coimbra pelo mesmo rei» (p. 205).

E se Ataces e Hermenerico são figuras históricas, Cindasunda é pura invenção.

Por essa lenda começa, pois, o percurso expositivo ora patente no Museu da Presidência, em Cascais. Reproduz-se o brasão, dois manequins vestidos «à alano» lhe estão ao pé: são Ataces e Cindasunda!

E vamos por ai a maravilhar-nos com objectos invulgares, nunca vistos entre nós, porque pertença duma cultura a que não temos ligado uma importância por aí além. A senhora vestida a rigor e seu marido a rigor também, terão sido bom pretexto, no conjunto, para darmos ainda mais atenção aos artefactos expostos.

Prestam-se bem os baixos do Palácio da Cidadela a uma exposição assim, quase intimista, em que, no recato, quase comungamos com o que se expõe. À saída, saudamos as velhas em amena cavaqueira – e sentimos vontade de voltar. Que é exposição a ver mais do que uma vez, sobretudo, como foi o caso, quando se aprecia no natural bulício da abertura.

Salvato Teles de Menezes, presidente da Fundação D. Luís I, agradeceu a prestimosa colaboração de Vladislav Khabliev, o qual, na sua língua natal (tivemos a honra de mui gentil intérprete) disse do seu empenho em dar a conhecer as remotas origens da sua cultura.

A exposição estará patente até 23 de Fevereiro, seguindo depois para Coimbra. O visitante tem ao seu dispor um amplo desdobrável com informações, em português e em inglês, sobre os Alanos, o Cáucaso, o Norte do Cáucaso e a Transcaucásia, assim a reprodução fotográfica dos artefactos domésticos expostos. Um opúsculo, de 12 páginas, tem textos assinados por especialistas sobre «Alanos na Europa durante a Era da “Grande Migração”», uma excursão histórica sobre os Alanos, «Os filhos bravos de Alânia» e, a terminar, a referida lenda sobre o brasão de Coimbra.

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