Vem esta reflexão ao caso quando me confrontei com estes comentários num feed de uma rede social. Uma conhecida marca de roupa desportiva publicitava um top de treino que vestia uma jovem e curvilínea moça, mas os comentários foram, digamos, pouco corteses. A maioria de homens, claro, e ainda por cima com nomes falsos ou sem foto que identificasse os autores. Por exemplo, “42.99 o kilo” numa alusão ao facto da manequim da foto não corresponder aos ideais de beleza correntes.
Na era das injecções para emagrecer que deixam os doentes insulino-dependentes aflitos com a escassez dos medicamentos em causa, na era em que as modas do que é bonito e não é mudam tão depressa como os clubes de futebol trocam de treinador, deixando boa parte das mulheres a coçar a cabeça com os custos de ser bela, na era em que grande parte das imagens que vemos nas redes sociais são fruto de pesados investimentos em software de alteração (Photoshop, filtros das redes sociais, iluminação específica, por exemplo) passando a imagem errada de que basta “cuidarmos de nós” e empurrando muito boa gente para distúrbios psicológicos graves… esta flagrante hipocrisia é mais um exemplo de que está difícil ser mulher.
Não nos iludamos, eles também sofrem pressões. Embora bem menores do que as que são impostas às mulheres. Seria muito improvável haver comentários do tipo “olha o Homer Simpson e a sua barriga” ou “o Tony Soprano voltou dos mortos?” se a marca em questão mostrasse um avantajado moço. Eles também sentem a pressão para serem musculados, com pouca barriga, com corpos torneados trabalhados a ginásio (e às vezes outras coisas mais…), com o rosto de uma determinada forma sem sombra de rugas ou peles descaídas e de preferência sem sinais de calvície, mas convenhamos, já no tempo em que os animais falavam, a pressão da estética e da cosmética sobre as mulheres era muito superior.
Nas últimas décadas, e ainda bem, temos vindo a assistir a uma maior consciencialização de que bonito é ter saúde e ser feliz, seja lá qual for o formato do corpo ou os quilos que a balança mostra. Mesmo com o advento que os anglo-saxónicos chamam “body positivity” (positividade de corpo, na tradução literal), mesmo com os alertas das alarmantes e tristes consequências dos distúrbios alimentares e de percepção de auto-imagem, mesmo com a proliferação de informação sobre infelizes casos em que ir ao cirurgião plástico errado na hora errada custou a saúde, e por vezes a vida, de muitas pessoas (de novo, grande maioria dos casos são mulheres), mesmo com as já dezenas de estudos de várias áreas académicas a mostrar que isto da estética tem muito que se lhe diga nos efeitos sobre a saúde psicológica e física das pessoas, no fim do dia, se calhar uma dietazinha e umas horas no ginásio a suar até ficar sem fôlego, tudo temperado com uns suplementozinhos da moda e umas injecções de substâncias anti-idade na cara, não faria mal.
Parece que afinal as redes sociais tanto mostram o lado melhor como o pior das pessoas. Qual deles o verdadeiro? Não existe uma resposta definitiva, é possível que dependa das circunstâncias ou da personalidade da pessoa. Mas afinal onde está a tão propagada honestidade? Como é que alguém se diz franco e sincero para se comportar logo de seguida como um “troll” pode presumir de sinceridade? Ou como é que alguém proclama ser desprovido/a de preconceitos, quase de imediato, decide repetir e propagar estereótipos tóxicos de imagens ideais corporais praticamente impossíveis de alcançar?
Como diziam os antigos, “quem não gosta, que ponha à borda do prato”. Se os machinhos de plantão não gostam de ver uma avantajada jovem manequim publicitar roupa de desporto, passem à frente. Ninguém os obriga a ver. Quiçá algo mais construtivo seria incentivar aquela pessoa conhecida ou amiga a cuidar melhor da saúde, a fazer mais caminhadas ou até a começar um desporto (sempre depois de consultar um médico) – o que numa sociedade carrocêntrica e trotinete-cêntrica começa a ser uma epopeia.
Como diz um portal de Internet humorístico, “homens, se vocês não se parecem com modelos da [conhecida marca norte-americana de alto preço que vende boxers] não esperem que nós mulheres nos pareçamos com modelos da [inserir marca famosa de lingerie conhecida pelos seus desfiles de manequins a beirar o anoréctico]”.