Aconteceu há muito, muito tempo, numa terra de eu não sei onde, lá onde os filhos tinham como perverso costume levar os velhos pais ao cimo de uma despida montanha, onde os abandonavam com o frouxo resguardo de uma manta.
Por muitos anos assim aconteceu, reza a fábula, até que, um dia, quando o filho se retirava, o pai o chamou:
– Filho, espera…
E, com o jeito e a força que lhe restava, rasgou a manta a metade.
– Que é, meu pai? – pergunta o filho.
– Toma esta metade.
E estendeu-lhe parte da manta.
– Guarda-a, para quando o teu filho te vier trazer.
Agasalhou-se com a metade da manta rasgada e sentou-se numa pedra.
Diz a fábula que o filho reconsiderou, carregou para a aldeia o velho pai e essa prática cruel teve ali fim, nessa terra de eu não sei onde, que talvez fosse a nossa.
E por muitos anos assim foi.
Mas os homens são de memória curta.
E os filhos dos homens do nosso tempo voltaram a abandonar os velhos pais, não já no vizinho monte, mas numa cama de hospital ou na solidão de um Lar. Que a cama do hospital, sobretudo a desse hospital de retaguarda, é precisa. Mas que se lhe associe, ao menos, a episódica e amorosa presença, o merecido carinho e de dignidade se acompanhe o fim. Que o Lar é imprescindível, porventura; que não se deixe, porém, morrer ninguém em solidão!…
E amplio a lição da fábula, que tão ajustada tem sido aos novos tempos em que uma geração de governantes, em jeito dos filhos activos de uma pátria que encontra similitude na aldeia antiga, pegam nos seus “velhos”, os aposentados, os abandonam e lhes levam até o último resguardo da manta, a mal urdida pensão que recebiam.
Clamam de longe, como o velho pai na montanha. Mas estes desnaturados filhos dos homens dos dias de hoje tapam os ouvidos para não ouvir. E para não se sentirem culpados.
Mas são.
Domingos Barradas
Um fábula que retrata, afinal e infelizmente, a triste realidade dos conturbados tempos que estamos a viver!!!…
Jorge Santos
A solidão em que vivem hoje tantos idosos abandonados pelos familiares é barbárie como a fábula da manta. A solidão leva a problemas graves de saúde mental que será a maior causa de morte já em 2030, segundo ouvi ontem dizer num encontro sobre saúde mental. Abraço.