Chanel é, não talvez, mas de certeza, o caso mais singular de toda a história da Moda e essa singularidade tem que ver com a sua vida, mas, também, com as suas notáveis criações.
O primeiro aspeto que importa referir é a peculiaridade da sua vida pessoal, sendo de registar que, com tenra idade, foi abandonada num orfanato em Aubazine pelo pai. Entre essa data funesta e a sua “libertação” formou-se um carácter. Ela sempre foi, sobretudo, uma sobrevivente.
Começou por abrir uma chapelaria em Paris, na rue Cambon, inaugurando a sua primeira casa de moda, em 1913, numa estância balnear relativamente perto da capital, em Deauville, tendo depois regressado à cidade de Paris, para na mesma rua onde tinha aberto a sua primeira loja, estabelecer a sede daquilo que viria a ser um verdadeiro império da Moda.
A forma como construiu a sua vida e a sua entrada fulgurante no universo da moda evidenciam a sua perceção não só deste pequeno mundo, mas de uma realidade muito mais alargada, não sendo por acaso que é uma das criadoras que mais refletiu e registou o seu pensamento relativamente à profissão que escolheu.
Nas fotografias da exposição está bem refletido o meio em que se movia, um meio claramente culto e intelectual, aqui imperando alguns dos seus melhores amigos, caso dos grandes criadores, sobretudo na esfera das artes plásticas, Cocteau, Dali, Picasso ou Man Ray, mas também personalidades oriundas de outras áreas das artes, como Igor Stravinsky ou Luchino Visconti.
Releve-se a sua estruturação enquanto criadora, diferenciando-se dos seus “colegas”, alguns dos quais verdadeiros ódios de estimação, com quem entendia estabelecer profundas diferenças, caso de Paul Poiret que detestava, no que era aliás retribuída, Elsa Schiaparelli que tanto menosprezava, ou o próprio Christian Dior que, no entanto, muito a respeitava e até, já perto do fim da vida, o revolucionário André Courrèges, com quem estabeleceu uma mediática polémica.
Um aspeto importante, muitas vezes descurado, é o seu papel enquanto designer de vestuário, que se considera mais relevante do que a importância que teve como criadora de Alta Costura, tendo sido, nesta área, claramente ultrapassada por outros, como Cristóbal Balenciaga ou o já referido Dior. Como tantas vezes é dito, ela não “inventava” indumentária para grandes bailes ou para personalidades como a que inspirou Proust na criação da personagem da duquesa de Guermantes, mas antes trabalhavas para mulheres ativas, como ela própria, para mulheres que tinham uma profissão e que se queriam vestir bem.
Nesse sentido a sua frase, que cumpriu sempre à risca “jamais ter um botão sem uma casa”, ou, ainda, quando se refere à criação de roupa como arquitetura, ou seja, uma questão de proporção, antes do mais. Todo o seu labor contribuiu para tornar as mulheres mais belas, conferindo-lhes não o efémero da moda, mas o perene do estilo. Tal como referia “La mode se démode, le style jamais.”
Foi, assim, responsável por algumas das mais extraordinárias criações, repito, não de Alta Costura, mas de Design, sendo disso bom exemplo o ter colocado em voga o simples vestido negro, ou a utilização tão prática pelas mulheres do tecido de tweed, até então um produto claramente masculino, ou, mesmo, a utilização das calças pelas mulheres. Registe-se que muitas das suas criações continuam a ser replicadas no presente, já que são intemporais, como o célebre tailleur que recebeu o seu nome, ou os sapatos bicolores que a marca ainda produz e que são tão copiados por outros.
Criou também as joias mais luxuosas, como as que expôs sob o nome de “Bijoux de Diamants”, com peças exclusivamente feitas de platina e diamantes, mas ao mesmo tempo soube lançar a bijuteria de luxo, apoiada pelo seu amigo, o príncipe Fulco di Verdura.
Por tudo isto vale a pena descobrir um pouco quem foi Gabrielle Chanel, visitando esta interessante exposição, envergando as suas criações, algo infelizmente muito oneroso, ou tão simplesmente vestindo o pijama de Marilyn – algumas gotas de Chanel n.º 5.
Estou muito interessada nesta exposição.
Da história de vida de Gabrielle, bem complexa e ficcionada às vezes por ela mesma (com todo o direito) já li um pouco.
Há o percurso sinuoso de uma sobrevivente do orfanato, como diz o autor deste texto, depois o internato numa casa ligada à mesma instituição que recebia as meninas mal completavam os 18 anos.
Foi aí que ela aprendeu a profissão de costureira. A chapelaria seria uma conquista nos altos (depois dos baixos) do seu percurso que viria a ser, como Paulo Morais-Alexandre escreve, bem-sucedido como estilista e empresária.
Afinal Coco teve a visão das vantagens do estilo prático com classe para a mulher trabalhadora e independente.
Muito grata pelo texto.