A fim de celebrar o 100º aniversário da açoriana Natália Correia, que nos deixou a 16 de março de 1993, musicou Renato Júnior «alguns dos poemas mais emblemáticos da escritora». Falou com Kátia Guerreiro – que, embora natural da África do Sul, cresceu na Ilha de S. Miguel, nos Açores, terra natal de Natália – e o milagre aconteceu: um espetáculo ímpar, em que às interpretações das cantoras escolhidas (já lá vamos!) intrinsecamente se uniu a sábia interpretação melódica que Renato Júnior soube fazer de poemas que, do ponto de vista da musicalidade, confessemos que, à partida, se apresentavam de mui difícil gestão melódica.
Mas Renato Júnior venceu.
E, além da voz potente de Kátia (que teve também ocasião de salientar a importância da iniciativa e o inigualável entusiasmo com que todos os intervenientes se dedicaram, de corpo e alma, ao projecto), ouvimos – e sigo a ordem do alinhamento – Amélia Muge, Elisa Rodrigues, Viviane, Sofia Escobar, Patrícia Antunes e Patrícia Silveira, Maria João (a encher o palco, claro!), Áurea, Ana Bacalhau, Rita Redshoes, Mafalda Veiga.
Não houve, porém, só música, embora, registe-se, essa é de admirar, ou não tivesse saído da enorme capacidade de que Renato Júnior, compositor, músico e produtor musical, nos tem dado provas com espetáculos como “Rua da Saudade” (CD de homenagem a Ary dos Santos) ou “Simone – O Musical”, que compôs e dirigiu musicalmente, tendo também sido escolhido pela UEFA para, em conjunto com Nelly Furtado, compor a banda sonora oficial do Euro 2004.
Os trechos cantados – todos de poemas da homenageada – foram entremeados com trechos musicais (Renato Júnior, ao piano, fez-se acompanhar de uma pequena orquestra) e com vídeos em que a voz e a imagem de Natália não deixaram de nos cativar, pela oportunidade da seleção feita. Ai, aquele «Romance de Paloma», que maravilha!
Pela noite passaram, entre outros, «Cântico de um País», «Passageiro da noite», «Laranja para Alberto Caeiro», «Sete Luas», «Queixa das Almas Jovens Censuradas» (extraordinária criação de Maria João), «Creio» (pela voz de Kátia), «De amor nada mais resta que um Outubro» (por Rita Redshoes), «A defesa do Poeta» (pela terna voz de Mafalda Veiga)…
Sim, e isso majestosamente se proclamou: «A Poesia é para se comer», como Natália Correia sempre sublinhou. Neste espetáculo, ‘comeu-se’, na verdade, Poesia. Servida em baixela de prata, ousaria eu dizer.
Fartos foram os aplausos no final, com os espectadores, que encheram o Salão Preto e Prata, de pé, e Kátia Guerreiro e o público e os artistas intervenientes, nas palmas a Renato Júnior, a incitá-lo: que não, esta não poderá ter sido, como se anunciou, a derradeira apresentação do espetáculo, a encerrar as comemorações do centenário. Não pode ser!