Pelos vistos, há, em todas as terras, onde ainda nos é dado conviver, um lugar onde, a partir do meio da tarde, os anciãos se reúnem após a sesta. Todas as conversas se admitem.
No lugar da Abóboda, sito no interior do concelho de Cascais, há – ou houve – o BPM, designação brejeira para caracterizar os seus frequentadores habituais: o Banco dos P. Murchas. Em Palmela, em vez de um, se bem compreendi, há dois: um é o da vara cível, outro da criminal, em jeito de Tribunal da Má Língua.
Por essas tagarelices ao entardecer transcorrem saudades, vituperam-se ou louvam-se governantes, comenta-se a zaragata ou a festa, é-se capaz de um amável piropo («devia ser proibido ter uns olhos tam bonitos, menina!»), decretam-se novos regulamentos e atira-se amiúde o Governo pràs urtigas, por não saber ouvir a voz do Povo e lá dizia a Madalena no “Frei Luís de Sousa” de Almeida Garrett, «Voz do Povo voz de Deus, minha senhora mãe!».
Acho que os autarcas deviam ir, de vez em quando, até esses bancos, desde que não lhes adregasse ou tivessem outra pachorra e convidarem esses anciãos a irem tomar um copo lá nos Paços do Concelho para uma tertúlia – o que até nem seria má ideia, não!
Consciencializei, há uns tempos, que a palavra «tertúlia» terá derivado das conversas que o filósofo cartaginês Tertuliano (que viveu entre os finais do séc. II da nossa era e os primórdios do III) organizava com a sua gente. Sabe-se que o costume se revitalizou com os cafés em França, nos prenúncios da Revolução no século XVIII e que, em Portugal, pelo Chiado, dada a abundância de cafés, pululavam as tertúlias em que se envolveram os nomes conhecidos da Cultura lisboeta do século XX.
Além desses bancos ao ar livre, de má-língua, cada terra tem – e não pode perder! – a tradição do encontro num dos estabelecimentos locais: o Majestic no Porto, o Santa Cruz em Coimbra, o Aliança em Faro, o Ervilha em S. Brás de Alportel, o Café Calcinha em Loulé, o Armazém do Caffè em Viseu, o Café Melro em Mangualde… Houve em Cascais, pelos anos 60 e 70, o Brisa, o Boca do Inferno, também a esplanada do Baía… Outros se precisam de criar. Lugares emblemáticos, que jamais se deviam perder, porque aí se fomenta comunidade, nascem ideias e todos nos sentimos mais solidários!
(Crónica publicada também em Renascimento)
Um “amável piropo”?
Hummm…não devo estar a ver bem as coisas.
Primeiro esse banco na Abóboda e o Jardim em Lisboa, deviam estar vazios, por muito descredibilizarem quem por lá passasse e ainda ousasse sentar-se. E se tivesse coragem para emitir um piropo, arriscava-se à desancada proporcional.
Se não fosse o adiantado da hora, podia fazer-se um rol de nomes inconcebíveis que alguns lugares e seus moradores suportam. A reorganização administrativa das freguesias, bem podia ter contemplado certos topónimos por demais embaraçosos para quem tem que dizer a sua origem.
Mas o texto é muito giro e deixou-me a pensar… Vamos supor que havia nesses dois lugares (do banco e do tal jardim) anciãos com toneladas de autoestima para desafiar olhares enviesados e sorrisos trocistas.
Seria muito engraçado convidarem o presidente da autarquia e promover ali mesmo a tertúlia semanal, terminando com um bagaço, muita cagança, muita pujança, em valente F.R.A. ou similar, que congregasse os fregueses (como agora dizem muita modernamente) à entusiasta coesão.
Bela ideia, não é? Ainda me convidam para líder de campanhas políticas QUE DÃO VOTOS.
Muito grata porque, no eco de Tertuliano, esta noite devo sonhar com sociedades ideais.