PARA DECIFRAR CÓDIGOS, FALAS E ESCRITAS ANTIGAS

Oh! Aqueles dois?! Inda bem não, andam à garreia, sempre a empencer um com o outro! Desafio o tradutor do google a traduzir a frase. E, mesmo assim de repente, ou se tirar o sentido pela entoação ou se tem de iri ao Dicionário do Falar Algarvio para compreender melhor

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Foi solenemente apresentado, no passado dia 13 de Abril, a 1ª edição digital do Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa. que está disponível em acesso aberto: https://dicionario.acad-ciencias.pt/ . Ou seja, para se tornar, cada vez mais, o repositório real da nossa língua, aceita, devidamente documentadas, palavras do quotidiano que nela ainda não figurem. «Garreia» e «empencer» foram umas delas.

A fuga para o campo

Depois de uma vida como docente na área de História, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, o doutor João Lourenço Roque optou, ao aposentar-se, por largar da mão esse mester e vive agora em Calvos, pacata aldeia da freguesia de Salzedas, concelho de Castelo Branco. Escreve crónicas para o jornal Reconquista, de Castelo Branco, crónicas que já reuniu em três volumes, sob o título Digressões Interiores.

No mais recente (Palimage, Coimbra, 2021) incluiu cinco intituladas «Linguagem à moda antiga», onde dá conta de vocábulos e expressões típicas da região. Não serão todas exclusivas de lá (escarrapachado e mascarrado, por exemplo), mas acontece que a pronúncia difere e, por vezes, só no contexto é que se capta o seu real significado. E João Roque faz questão em escrever como se pronuncia: ‘escarrapatchado’, ‘mjer’ (mijar)…

Veja-se lá se se percebe isto:

«Aquela estouveda passou por mim numa gáspea, toda escarrapatchada em cima do burro, que parecia que levava fogo no rabo até aboava…»

Mas voltemos à questão das falas e da sua cada vez maior disseminação. Vale-nos o mencionado recurso ao tradutor informático e valem-nos, sobretudo, os intérpretes, não apenas da língua gestual mas de todos os que procuram, através das legendas explicar-nos o que dizem, em estranhas línguas, os senhores que falam nas televisões.

E não é apenas a fala em si. É que o alfabeto, inventado pelos Fenícios há um ror d’anos, nunca chegou a ser universal e por toda a parte se multiplicam os signos linguísticos. Estaríamos nós ainda aflitos com os hieróglifos egípcios, não fora Champollion ter decifrado o que dizia a Pedra de Roseta. Mas estamos aflitos para compreender o que dirão as estelas epigrafadas pré-romanas descobertas por esses Alentejos e Algarves!…

Estelas pré-romanas encontradas em Portugal

De pensativo queixo na mão, perguntamo-nos: «Que mal fizemos ao Criador para tal acontecer?». A Bíblia explica: foi a inveja! Essa bendirá palavra com que Camões, mui eloquentemente, quis terminar Os Lusíadas: inveja!

Conta-se no Génesis, o primeiro livro da Bíblia (capítulo 11, versículos 1 a 9), que os homens decidiram construir uma cidade e uma torre cuja extremidade atingisse os céus». «Assim, tornar-nos-emos famosos».

A Torre de Babel, ilustração de José Luís Madeira

No fundo, o que pretendiam era – como já acontecera com a história da maçã!… –­ era serem iguais ao Criador! Mas este, ao ver aquilo, confundiu-lhes a linguagem, eles deixaram de se compreender uns aos outros e a torre não foi avante. (Que o Senhor me perdoe, que, mesmo assim, não se percebendo agora uns aos outros, eles, os homens, acharam uma língua comum, a das armas, e andam de ‘construção’ em ‘construção’!…).

Tramámo-nos! Quem nos manda querer dar um passo maior do que o tamanho da perna?!…

1 COMENTÁRIO

  1. Gostava de conhecer o que dizem as estelas pré-romanas…os signos de algumas línguas complicadas que nunca dominarei…
    Sobre a descoberta do alfabeto fenício, das suas ramificações (do significado dos ideogramas e silabários que em paralelo vingavam) e dos primórdios da escrita fonética antes da impressão e ilustração do livro, lembro o quanto aprendi num belíssimo trabalho de Douglas McMurtrie intitulado exactamente O LIVRO.
    Apesar de ser um calhamaço de mais de seiscentas páginas, lê-se com o maior prazer, é interessantíssimo e relativamente acessível se ainda houver a edição da Gulbenkian.
    Mas o que eu gostava mesmo de perceber era os regionalismos dos marafados que se garreiam pelos algarves, mais palavras em que os albicastrenses nasalam os ditongos (como na lenda do rê Wamba) ou das particularidades de cada ilha açoriana, que são um espectáculo linguístico de invulgar riqueza….quando traduzidas.
    Muito grata por este texto, que traz uma matéria tão interessante e desperta tantas lembranças hilariantes.

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