Estando em Lisboa, assisti a tudo, desde o Terreiro do Paço ao Largo do Carmo. Passeei por Lisboa. Desci e subi a Avenida da Liberdade. Tudo a que tinha direito para a maior comemoração e também contestação do que se passa em Portugal. E foi bonito. Foi mesmo bonito ver como tanta gente – novos, velhos, crianças – saudaram aquela madrugada.
Mas fiquei triste com o quase esquecimento a que outros foram votados. Vi duas vezes o videomapping no Terreiro do Paço e não acredito que não houvesse mais fotos de Álvaro Cunhal e de Otelo Saraiva de Carvalho. Claro que devemos homenagear Mário Soares, mas não podemos esquecer o papel importantíssimo do Partido Comunista Português e de Cunhal no antes da Revolução e mesmo no depois. Ou sempre. Foram eles quem, tantas vezes, acordaram mentes anteriormente adormecidas. Recorde-se que o Partido Socialista nasceu em Abril de 1973 e o próprio Soares tinha começado como militante de base do PCP, sendo membro de outras estruturas ligadas partido. Se muitos jovens partiam para a guerra colonial com alguma consciência do que se passava, isso, maioritariamente, devia-se ao PCP. E se houve fuga que ficou na História foi exactamente a de Cunhal, em Janeiro de 1960, juntamente com outros nove camaradas. Ficaram conhecidos como os ‘Dez de Peniche’, numa das mais marcantes acções de resistência ao Estado Novo.
Todavia, se Soares tem direito a inúmeras fotos no videomapping, o mesmo não sucede com Cunhal.
Salgueiro Maia, com tudo quanto lhe devemos no mágico 25 de Abril, tem todas as honras. E merece-as. Porquê, então, um quase esquecimento de Otelo Saraiva de Carvalho? Não foi ele o estratega da Revolução? Fico na dúvida se neste permanente reescrever da História, na omissão de nome importantes, talvez porque se tornaram incómodos, esquecemos a gratidão que lhes devemos. Ninguém quer esquecer Soares ou Salgueiro Maia. Mas que não se apaguem outros nomes maiores. Das coisas que, pessoalmente, não perdoo a António Costa a maior é, sem dúvida, o não ter decretado luto nacional aquando da morte de Otelo…
Dou ainda um outro exemplo: falou-se de mulheres importantes na luta contra o fascismo. Acentuou-se nas televisões que não eram muitas e esqueceram-se de algumas que foram essenciais, como é o caso de Virgínia de Moura. Não ouvi nem li nenhuma referência a esse nome maior, à mulher que em 1974 tinha o corpo repleto de queimaduras de cigarros. E veja-se que, nascida em 1915, tinha 15 anos quando participou, na Póvoa de Varzim, numa greve estudantil contra o assassinato de um jovem estudante, cometido pela Polícia. Toda a sua vida foi uma luta constante.
Virgínia de Moura foi a primeira mulher engenheira civil em Portugal. Foi-lhe negado o acesso à Função Pública, o que a motivou para tirar o curso de Matemáticas e frequentar a Faculdade de Letras de Coimbra. Esteve com o marido, António Lobão Vital, ligada à candidatura de Norton de Matos à Presidência da República e à candidatura de Humberto Delgado, bem como aos movimentos populares estudantis de 1962, e aos congressos da oposição democrática de Aveiro (1969 e 1973). Foi julgada por ‘traição à Pátria’, em 1951, por ter assinado uma declaração para obrigar Salazar a negociar com o governo indiano devido à situação de Goa, Damão e Diu.
Virgínia de Moura foi presa 16 vezes pela PIDE, teve diversos processos e foi três vezes condenada e repetidamente agredida pela polícia em actos públicos. Ainda na clandestinidade, foi membro do Comité Central do PCP. E, nestas comemorações, do quanto vi escrito e dos inúmeros programas de televisão (gostaria muito de estar enganada) nem uma palavra sobre ela.
Para quem quiser saber o significado de gratidão, aconselho vivamente a ver este vídeo (link). Sampaio da Nóvoa, que foi candidato à Presidência da República e, infelizmente, perdeu para Marcelo, explica tudo muito bem.
A VERGONHA NACIONAL
Em contrapartida, fui seguindo as telenovelas marcelistas, mormente nas comemorações do 25 de Abril no Parlamento. Tenho a maior vergonha, enquanto jornalista e cidadã, das coisas que vi e ouvi da boca de Marcelo Rebelo de Sousa. Só posso considerar que o avançado da idade tenha tomado conta da sua saúde mental.
O homem fala sem olhar para as pessoas, passeia os olhos redor, como se precisasse de socorro, de boca aberta e um esgar de sorriso, ou o que quer que seja aquela aparência.
Leva aos jornalistas estrangeiros todo um discurso patético, a que não vou aqui dar mais espaço, e consegue virar um País inteiro contra si. Desde assuntos da Justiça, passando pelos familiares, só posso sentir vergonha alheia.
Não tenho simpatia por Macron e as suas políticas. Mas, para quem não viu, deixo aqui o discurso que proferiu pelo nosso 25 de Abril. É esta a imagem de um Presidente (link).
Os dislates de Marcelo têm sido tantos, mas tantos, que até os seus apoiantes e correligionários o criticam. Então o que fazer quando um Presidente dá sinais evidentes de estar com um problema de saúde mental? Claro que a Lei prevê diversos cenários e define ‘os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato’ (art. 117º, nºs 1 e 3 da CRP).
Não acreditando que Marcelo se demita, reporto-me então ao artigo 33º da Constituição da República que afirma, no seu número 1: ‘Pelos crimes de responsabilidade praticados no exercício das suas funções o Presidente da República responde perante o Plenário do Supremo Tribunal de Justiça’. No número 2 do mesmo articulado, diz que ‘a iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções’.
Este Parlamento recentemente eleito só pode, por maioria de razão, dar voz a quem o elegeu: por favor, demitam urgentemente um Presidente que não se envergonha mas nos envergonha a todos.
E já que Marcelo tanto gosta de eleições e de dar voz ao povo português, está na hora de este escolher um Presidente que o saiba ser e o represente com dignidade.