GRATIDÃO e DIGNIDADE

Agora que estão passados os grandes festejos dos 50 anos da Revolução dos Cravos é tempo de recordar os que só foram mais ou menos lembrados e os que foram esquecidos.

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Estando em Lisboa, assisti a tudo, desde o Terreiro do Paço ao Largo do Carmo. Passeei por Lisboa. Desci e subi a Avenida da Liberdade. Tudo a que tinha direito para a maior comemoração e também contestação do que se passa em Portugal. E foi bonito. Foi mesmo bonito ver como tanta gente – novos, velhos, crianças – saudaram aquela madrugada.

Mas fiquei triste com o quase esquecimento a que outros foram votados. Vi duas vezes o videomapping no Terreiro do Paço e não acredito que não houvesse mais fotos de Álvaro Cunhal e de Otelo Saraiva de Carvalho. Claro que devemos homenagear Mário Soares, mas não podemos esquecer o papel importantíssimo do Partido Comunista Português e de Cunhal no antes da Revolução e mesmo no depois. Ou sempre. Foram eles quem, tantas vezes, acordaram mentes anteriormente adormecidas. Recorde-se que o Partido Socialista nasceu em Abril de 1973 e o próprio Soares tinha começado como militante de base do PCP, sendo membro de outras estruturas ligadas partido. Se muitos jovens partiam para a guerra colonial com alguma consciência do que se passava, isso, maioritariamente, devia-se ao PCP. E se houve fuga que ficou na História foi exactamente a de Cunhal, em Janeiro de 1960, juntamente com outros nove camaradas. Ficaram conhecidos como os ‘Dez de Peniche’, numa das mais marcantes acções de resistência ao Estado Novo.

videomapping das comemorações dos 50 anos do 25 de abril de 1974

Todavia, se Soares tem direito a inúmeras fotos no videomapping, o mesmo não sucede com Cunhal.

Salgueiro Maia, com tudo quanto lhe devemos no mágico 25 de Abril, tem todas as honras. E merece-as. Porquê, então, um quase esquecimento de Otelo Saraiva de Carvalho? Não foi ele o estratega da Revolução? Fico na dúvida se neste permanente reescrever da História, na omissão de nome importantes, talvez porque se tornaram incómodos, esquecemos a gratidão que lhes devemos. Ninguém quer esquecer Soares ou Salgueiro Maia. Mas que não se apaguem outros nomes maiores. Das coisas que, pessoalmente, não perdoo a António Costa a maior é, sem dúvida, o não ter decretado luto nacional aquando da morte de Otelo…

Dou ainda um outro exemplo: falou-se de mulheres importantes na luta contra o fascismo. Acentuou-se nas televisões que não eram muitas e esqueceram-se de algumas que foram essenciais, como é o caso de Virgínia de Moura. Não ouvi nem li nenhuma referência a esse nome maior, à mulher que em 1974 tinha o corpo repleto de queimaduras de cigarros. E veja-se que, nascida em 1915, tinha 15 anos quando participou, na Póvoa de Varzim, numa greve estudantil contra o assassinato de um jovem estudante, cometido pela Polícia. Toda a sua vida foi uma luta constante.

a ficha de Virgínia de Moura na PIDE

Virgínia de Moura foi a primeira mulher engenheira civil em Portugal. Foi-lhe negado o acesso à Função Pública, o que a motivou para tirar o curso de Matemáticas e frequentar a Faculdade de Letras de Coimbra. Esteve com o marido, António Lobão Vital, ligada à candidatura de Norton de Matos à Presidência da República e à candidatura de Humberto Delgado, bem como aos movimentos populares estudantis de 1962, e aos congressos da oposição democrática de Aveiro (1969 e 1973). Foi julgada por ‘traição à Pátria’, em 1951, por ter assinado uma declaração para obrigar Salazar a negociar com o governo indiano devido à situação de Goa, Damão e Diu.

Virgínia de Moura foi presa 16 vezes pela PIDE, teve diversos processos e foi três vezes condenada e repetidamente agredida pela polícia em actos públicos. Ainda na clandestinidade, foi membro do Comité Central do PCP. E, nestas comemorações, do quanto vi escrito e dos inúmeros programas de televisão (gostaria muito de estar enganada) nem uma palavra sobre ela.

Virgínia de Moura

Para quem quiser saber o significado de gratidão, aconselho vivamente a ver este vídeo (link). Sampaio da Nóvoa, que foi candidato à Presidência da República e, infelizmente, perdeu para Marcelo, explica tudo muito bem.

A VERGONHA NACIONAL

Em contrapartida, fui seguindo as telenovelas marcelistas, mormente nas comemorações do 25 de Abril no Parlamento. Tenho a maior vergonha, enquanto jornalista e cidadã, das coisas que vi e ouvi da boca de Marcelo Rebelo de Sousa. Só posso considerar que o avançado da idade tenha tomado conta da sua saúde mental.

O homem fala sem olhar para as pessoas, passeia os olhos redor, como se precisasse de socorro, de boca aberta e um esgar de sorriso, ou o que quer que seja aquela aparência.

Leva aos jornalistas estrangeiros todo um discurso patético, a que não vou aqui dar mais espaço, e consegue virar um País inteiro contra si. Desde assuntos da Justiça, passando pelos familiares, só posso sentir vergonha alheia.

Não tenho simpatia por Macron e as suas políticas. Mas, para quem não viu, deixo aqui o discurso que proferiu pelo nosso 25 de Abril. É esta a imagem de um Presidente (link).

Os dislates de Marcelo têm sido tantos, mas tantos, que até os seus apoiantes e correligionários o criticam. Então o que fazer quando um Presidente dá sinais evidentes de estar com um problema de saúde mental? Claro que a Lei prevê diversos cenários e define ‘os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato’ (art. 117º, nºs 1 e 3 da CRP).

Não acreditando que Marcelo se demita, reporto-me então ao artigo 33º da Constituição da República que afirma, no seu número 1: ‘Pelos crimes de responsabilidade praticados no exercício das suas funções o Presidente da República responde perante o Plenário do Supremo Tribunal de Justiça’. No número 2 do mesmo articulado, diz que ‘a iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções’.

Este Parlamento recentemente eleito só pode, por maioria de razão, dar voz a quem o elegeu: por favor, demitam urgentemente um Presidente que não se envergonha mas nos envergonha a todos.

E já que Marcelo tanto gosta de eleições e de dar voz ao povo português, está na hora de este escolher um Presidente que o saiba ser e o represente com dignidade.

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