A LUZ MAIS PRECIOSA

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Chagall?

Moïshe Zakharovich Shagalov…Só Marc, se quiser

Bella Rosenfeld…

E abraçavam-se, tal a urgência do brilho nos olhos de ambos.

Havia uma diferença de idade. A filha dos joalheiros tinha apenas 14 anos e ele 21,  o mais velho de cinco irmãs e um irmão. Mas ela já começava a escrever, era uma menina desenvolta.

Ambicioso na pobreza. A mãe cuidava da prole, o pai trabalhava a um balcão. Deixava que o filho mais velho  estudasse  artes na Escola de Vitebsk, donde Bella também era natural. Ambos descendentes de judeus. Depois arranjava-lhe 27 rublos e mandava que se governasse com eles em S. Petersburgo, se tanto queria partir.

Bem reconhecia o brilhantismo do  filho mais velho em tantas áreas…Estudava e sobrevivia trabalhando por amor à arte. Mas Amor a sério era o que sentia no momento em que se cruzava com Bella. Seria a sua Musa por toda a vida, acabava de assumir no instante em que se conheciam.

Dizem que tocava à noite…Tinha acabado de vender duas telas a um político ricaço, que lhe oferecia uma bolsa para ir até à Europa. Não podia perder a oportunidade. E em 1910 via as cores alegres e o movimento de Paris, mas os olhos de Bella brilhavam ainda mais dentro do seu coração: “Na vida só há uma cor, como na paleta do artista, com o significado da vida e da arte: a cor do Amor”.

Quatro anos depois estava de regresso a Vitebsk, abraçava Bella com o mesmo ardor e casavam no ano seguinte, 1915. Logo a seguir Petrogrado, onde nasceria Ida. Ainda voltavam a Vitebsk, onde registavam a menina, para recuperar alguma coisa que ficara no ar, talvez a sensação de levitarem quando se amavam…

Bella fazia-o ver as estrelas na intensidade do azul da noite, o brilho da Terra acabada de acordar, a Poesia dos sons na variedade dos elementos do Universo. Esses refúgios guardavam-nos de um mundo cruel. Tinham casado já a Europa era cenário de uma guerra sangrenta, depois a Revolução Bolchevique apanhava-os nas suas teias. Marc era obrigado a aceitar o posto de Comissário das Artes de Vitebsk, acabando por abrir a Escola de Artes local.

Não estava feliz. Alguns conflitos com companheiros, competição, falta de espaços amplos, tudo lhe deixava uma sensação de angústia,…As exposições em Moscovo em 1920 e em São Petersburgo depois, permitiam-lhe viajar, conhecer negociantes de Arte, receber encomendas vantajosas. Depois Bella sugeria que poupassem e partissem para Paris. E os seus olhos pediam com tanta doçura, que Marc não podia negar-lhe o desejo.

Só passados dois anos, em 1924, Chagall e a sua amada se fixavam em Paris. Ele incorporava elementos dos movimentos vanguardistas, mas não queria ser filiado em nenhum. Em 1939 rumavam ao sul de França, já o mundo se agitava à volta de teorias de eugenia e ameaças de novo belicismo.

A conflitualidade sempre existiu à face da Terra. Só não se espera que o ser humano não aprenda e reincida na desolação….Em 1941 Bella ainda era presa em Marselha, como tantos descendentes de judeus. Mas Chagall  e a filha tudo faziam para a libertar. E fugiam para Nova Iorque até se ver um fim para o horror da guerra. 

Depois de contrair um vírus em 1944, a doce companheira de um dos maiores artistas plásticos do mundo morria no espaço de dias. Estavam a 2 de Setembro e Marc ficava destroçado por chegar à Europa sem ela. Depois de quase um ano sem pintar, recuperava o ânimo e publicava-lhe o livro LUZES ACESAS.

Conheceria outras companheiras : Virgínia, por alguns meses, Vava (Valentina Brodski, a segunda mulher com quem casaria) mas toda a sua obra era um monumento de beleza e cor levantado à sua Musa principal durante 29 anos.

Nas telas estavam incorporados elementos da terra natal de ambos e sua simbologia, as cores suaves de Paris e do mundo que conheceram, o Azul profundo do Amor. Porque ainda era ele a chave da resolução de conflitos, para o grande Marc Chagall.

Tantos violinistas nas telas, diziam da importância da Música. O galo talvez representasse a fecundidade, no entender de alguns críticos de Arte. Os outros animais apareciam como humanos, num saudável respeito por todas as espécies à face da Terra.

Porque o mundo precisa de humanizar-se, como na luz das telas de Chagall.

Vôo sobre Vitebsk

4 COMENTÁRIOS

  1. Muito Bonito e comovedor este seu “conto” sobre Chagall. Reconheço que, só já em em Adulto aprendia a gostar da sua pintura. Feita de irrealidade assentes em cores e formas, num mismo de abstracionismos, simbolismo e pintura naif. O caldo onde a realidade, que nos nutre, gera os sonhos e habita. Nesta época pós narrativa, onde a narração não nos define, mas sim o contar, Chagall talvez fosse um dos últimos narradores visuais que existiu cuja pintura impregnou de musicalidade e sonhos. Deixando-os em suspensão, como ar sabendo que, de ambos precisamos para viver. Um abraço cheio de sonhos e M. Obrigado pela partilha.

  2. Só conhecia por alto a história de Chagall e Bella. Agora fico a perceber melhor o voo dos amantes sobre a sua terra natal, o papel e intenção daquele azul quase omnipresente, uma certa sugestão de etéreo em muitas das suas telas. Muito obrigada Helena, a sua escrita sobre este par e sobre Chagall prende-nos do princípio ao fim. Sem deixar de lado o rigor histórico que é seu timbre.

  3. ###

    I love Moïshe Zakharovich Shagalov and Só Marc, if you want to be Bella Rosenfeld. They hugged, as urgency in their eyes showed. There was a difference in age: the daughter of the jousters had only 14 years, and he was 21 years old, the oldest of five siblings. But she already was writing, was a young girl enjoying poverty. The mother paid attention to her offspring, the father worked at a till. Bella went to school in Vitebsk, where Moïshe also was a student. ###

  4. É bonito ler a história de um pintor contada por uma poeta. Sempre o amor na raiz da arte.
    E (tentar) decifrar a realidade “vista” pelo artista surrealista é altamente desafiante…

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