Está o mundo em guerra por causa de territórios que se disputam, por de um lado se não reconhecerem os limites acordados. Chovem notícias de familiares que se matam por causa de partilhas, por uma nesga de terra. Apresentaram muitos fregueses reclamação junto da Assembleia da República por discordarem da “Lei Relvas”, que, por via do determinado na Lei n.º 11-A/2013, de 28 de Janeiro, uniu mais ou menos arbitrariamente territórios de freguesias.
Quando se vai na estrada temos a placa identificativa à entrada das povoações e outra à saída com uma diagonal a vermelho para dizer que acabou. Como quando se passa a mão pelo dorso de um gato, ele levanta o rabo: «Alto! Acabou gato!»…
Não é de agora esse felino instinto, como não são de agora as rixas pela posse de terras e territórios – nem terminarão jamais enquanto o Homem for Homem!…
Vêm todas estas reflexões a propósito de uma pedra antiga, do tempo dos Romanos, datada do ano 43 da nossa era que foi recentemente encontrada, o que provocou enorme regozijo entre os historiadores – e já se vai saber porquê.
Estarão todos recordados de que uma das grandes obras feitas na Lusitânia, no tempo do Imperador Trajano, mais propriamente no ano 105 da nossa era, foi a chamada ponte de Alcântara, sobre o rio Tejo, que liga, na Beira Baixa, o território português ao espanhol (Alcântara está do outro lado). Obra que resultou do esforço conjunto de uma série de povos, que necessitavam de aí atravessar o rio e para isso se juntaram.
Grande disputa houve, pois, entre os investigadores da História Antiga, porque deram em querer saber onde é que esses povos, pré-romanos de origem, efectivamente se haviam localizado. Entre eles estavam os Arabrigenses e os Coilarnos. E muito se discutiu e muitas hipóteses se aventaram. O importante seria – dizia-se sempre! – que se encontrassem no terreno pedras que indicassem assim como as placas das freguesias: deste lado é A, daqueloutro é B.
Pois imagine-se que é mais uma dessas pedras que acaba de se encontrar, a delimitar o território dos Colarnos do dos Arabrigenses!
E se duas das três anteriores poderiam estar, mais ou menos, no sítio onde, no tempo do imperador Cláudio, haviam sido colocadas, esta última, pelo seu peso (cerca de tonelada e meia) e por se haver encontrado enterrada, estava decerto não muito longe do sítio original.
E os investigadores rejubilaram! Não só porque, finalmente, tinham uma pedra que se lia quase na totalidade, mas também porque, com tantos documentos – é a primeira vez que, no território da antiga Lusitânia, tal acontece! – já se pode quase garantir preto no branco que o rio Tedo, ali para as bandas do concelho de Armamar, na Beira Alta, delimitava os Colarnos dos Arabrigenses!
Acrescente-se que o monumento foi identificado porque, quando o historiador andava pelas aldeias a perguntar por ‘pedras antigas’, alguém lhe disse que tinha ideia de ter visto uma há muito tempo, mas não se lembrava bem onde; e o historiador não largou o rasto e outro aldeão até já vira as letras e sabia onde era, embora agora estivessem meio enterradas.
Assim, com a diligente e prestimosa autorização do proprietário e a pronta colaboração da Câmara Municipal de Armamar, a pedra foi mui cuidadosamente retirada, o seu estudo foi feito e vamos publicá-lo muito em breve numa revista da especialidade,
Eu ia com outro destino, mas quedei-me por aqui.
Todo o texto cria identidade comigo, com os leitores que quase chegam aos dois milhares.
A introdução diz muito do Portugal rural de há uns tempos: disputas de um pedaço de terra que até levavam à morte, dizia-se. E a colocação de marcos, essenciais mas muito ausentes, também.
Depois atravessei muitas vezes a ponte de Alcântara. Com família do outro lado, na província de Cáceres, admirei sem limites essa obra de engenharia romana na Lusitânia.
Dos Arabrigenses e Coilarnos só li os nomes e tenho remota ideia.
Agora descobrem uma pedra que, por tão grande dimensão, com inscrições legíveis, dá pistas sobre a localização aproximada desses povos vizinhos pré-romanos!
Não sou historiadora, mas rejubilei. E aguardo então a boa vontade dos especialistas na partilha que a todos interessa.
Muito grata por mais este fantástico texto.
Só mais três notas:
Não são dois mil leitores, mas para lá se caminha, confundi com os dois mil anos…
Uma palavra de apreço pela conjugação de esforços de particulares, peritos, edilidade.
Parabéns ao historiador, que à “caça” do tesouro, logrou encontrá-lo em bom estado.