O que é um santo? Estava a pensar no assunto ontem, ou que santo se comemorava, convencida de serem quase sempre as mesmas, as razões para definir a santidade. Aparecia-me a figura de Timóteo.
Timóteo, dizem as enciclopédias, era filho de uma judia crente, Eunice, e de um grego pagão. Crente ela num único Deus, pagão ele por acreditar em várias divindades, mas convertido mais tarde.
Podemos aceitar que na educação dos meninos de então, como nos de hoje, mães e avós desempenhavam um papel fundamental. Os varões adultos estavam ligados às actividades bélicas, à terra, às viagens, deixando às mulheres a responsabilidade da casa e da educação da descendência. Rembrandt eterniza um momento de empatia entre avó e neto muito comovente, em1648.
A mesma lenda em várias versões, animadas por enorme profusão de estampas, dá a entender que a avó materna, Lóide, ajudaria a cimentar a crença de Timóteo num só Deus. Por causa dessa convicção, o destino do jovem seria chegar a bispo, consagrado no ano de 65, e morrer sob o martírio do apedrejamento, no ano 80.
Cada dia lembra um santo, mas estaremos condenados a celebrar dias de mártires, por causa de intolerâncias, quando, no essencial, os homens só querem uma vida igualmente digna para as suas famílias?
Todas as religiões a prometem, mas todas falham nessa ânsia de serem diferentes. É a História a provar que raramente usaram de candura e bondade para converter. Fizeram-no sempre tocadas por interesses pessoais, ou de grupo, que nada tinham a ver com o interesse e respeito pelo indivíduo.
Um santo não pode, nem deve ser, apenas uma figura de mártir por caprichos de um sector, que rejeita a crença dos outros. A crença é pessoal, íntima e só pode ter essa designação se for livremente escolhida.
Hoje, em dia dedicado a outro santo, lembro todos os anónimos que, anulando as suas vidas pessoais, recolheram, alimentaram, curaram e deram amor incondicional, ou calor fraterno a desconhecidos e próximos, sem atenderem a detalhes que nada acrescentam à dignidade humana.
É desses exemplos que a humanidade precisa, sem retóricas, ostentações, nem atropelamentos, para obtenção de maior fama.
Já agora, qual a importância de um privilégio, por maior que seja, se de um momento para o outro teremos de nos mudar para parte incerta, sem bagagem nem currículo?
Belíssimo texto. Com o qual concordo.
Sao várias as vezes que sonho acordado, uma espécie de meditação, depois de ler um romance histórico ou ver um filme alusivo a uma época remota, mesmo que ficcional, em que sou levado pela imaginação para uma outra vida que não esta. Quantas vezes me coloco a viver nesses tempos, imaginando-me no meio daquela multidão, meio atarantado e desnorteado, olhando a maioria deles, indigentes, analfabetos, sem meios de subsistência, sem cuidados sanitários e de higiene, nascendo, crescendo e vivendo na sombra da civilização, como se não passassem de meros adereços na paisagem.
Diz o poeta que dos fracos não reza a História, numa clara alusão aos valorosos homens e mulheres que construíram o império, esquecendo-se que muitos deles nem rosto têm. De qualquer forma podemos sempre anuir que o verso é bem mais transversal e intemporal do que nos pode parecer, uma vez que essas sociedades estão cheias de heróis sem nome.
Quanto aos Santos mártires, estamos no mesmo patamar. Há uma enormidade de mártires anónimos, dou um exemplo, os Cátaros, em França, na idade média, que muitos deles nem sabiam bem porque morriam, mas recusavam abandonar a sua fé. E como estes, não faltariam listas de mártires, em todas as épocas e por toda a parte
Que texto tão interessante! Estaremos nós condenados, de facto, a homenagear como santos homens e mulheres perseguidos e torturados? Não haverá quem tenha ascendido à santidade sem ter sido vítima da intolerância e perseguição religiosas? Há. Ocorrem-me os miraculados, ou melhor, os fazedores de milagres, sujeitos na e pela Igreja Católica a períodos probatórios e à “confirmação” de tais milagres. As três crianças semi-analfabetas de Fátima, numa população também ela analfabeta na sua larga maioria, sujeitas a um processo de alucinação colectiva… são disso um exemplo.
Pergunto-me se haverá religiões em que se possa ascender a santo, ou venerável/venerado, tão somente por ter praticado o bem de forma destacada e sistemática. Penso nas religiões consideradas mais tolerantes, como o budismo ou o hinduísmo… Dizem-me que as religiões indianas serão, como tenho pensado, das mais tolerantes mas que mesmo assim nem elas estarão isentas do pecado da intolerância.
Tão interessante, volto a dizer. Um desafio para ir tentar aprofundar estas questões. Muito obrigada!
Eu é que me sinto agradecida por estes dois fabulosos comentários de Rui Naldinho e Margarida Chagas Lopes. É um privilégio receber retorno de leitores-autores com esta capacidade de motivarem reflexão sobre matérias complexas. Bem hajam.