Há pombos mortos nos passeios e estradas. Pombos adultos. O Inverno mata as aves. O frio. Quando encontro pombos mortos fico triste. Que solidão e que desamparo! E nobreza. Morrem sozinhos como aquele homem em França que caiu no passeio ao início da noite e na manhã seguinte tinha morrido de hipotermia. Aproximo-me sempre dos animais caídos para verificar se ainda estão vivos e posso socorrê-los. Quase nunca estão. Pergunto-me se me teria aproximado do francês que morreu de hipotermia. Ter-me-ia aproximado e indagado porque estava ali caído ou tê-lo-ia tomado como um velho bêbado caído? Caramba. Um velho bêbado caído não precisa de ajuda? Teria a obrigação de telefonar para o 112. É uma obrigação moral antes de ser cívica. Mesmo que estivesse na Rússia e não soubesse falar a língua.

Não associo qualquer romantismo à cidade de Paris. Uma urbe enorme, fria, cara e onde reina a indiferença. Andei de autocarro sem pagar. Regalei-me a pisar as regras. Hei-de pisá-las sempre que puder e cada vez mais. Em França e em todo o lado.
No sábado, vi na 2 um doc sobre um músico sueco que se suicidou em 2018. Começou a destacar-se aos 18, afastou-se aos 26 e morreu aos 28. Uma década em que mal teve tempo para voltar a Estocolmo e quando voltou não se sentiu por lá bem. Avicii. Um daqueles músicos que sobem ao palco sozinhos, sem banda, para produzir música eletrónica nuns sintetizadores, nuns programas, numas máquinas. Seja o que for. O Obama referiu-o num discurso, pondo-o ao lado dos Abba. Nunca ouvi falar. Soube que Avicii existiu quatro anos após a sua morte. É provável que conheça os seus hits. Procurar no You Tube.
A semana passada S. disse que queria alcançar fama e sucesso. Falámos sobre o poder que a fama e sucesso conferem. Ao ver o doc sobre a carreira de Avicii relacionei-o com a conversa que tive com S. O músico suicidou-se após ter abandonado a carreira, num paraíso oriental qualquer, cortando os pulsos com estilhaços de garrafa de champanhe. Já não aguentava. Tinha o pâncreas rebentado. As entranhas. Sofria de ansiedade. Sobretudo sofria de pressão para realizar concertos e garantir fundos para alimentar uma enorme máquina produtora. Não é fácil dizer não. Perde-se dinheiro, perdem-se oportunidades e sofrem-se retaliações.
O agente diz no doc que ele não percebia o valor do dinheiro nem que havia muita gente a perdê-lo se ele não trabalhasse. Convém não ter muita noção do valor do dinheiro. Vive-se melhor. Mas não foi o caso do músico. Ele percebeu a desumanização implicada. Ele não queria continuar. Ele não queria uma vida que não é uma vida – é um palco. A vida não é um palco. Nem o palco é uma vida, por muito importante que seja uma carreira para a realização pessoal. Tudo mentira. O palco é trabalho e a vida existe fora dele. Isto é o que importa dizer a S.
Morrer com os pulsos cortados com estilhaços de garrafas de champanhe é uma bela explicação para o que realmente significa a fama.
(excerto do Diário da Revolta – 3 de Fevereiro de 2022, Facebook de Isabela Figueiredo)
Uma mui9to cruel desumanisação . . . .