No reino da burka e da papoula

O Afeganistão é tido como o maior produtor de droga do mundo. Milhares de quilómetros quadrados do território são ocupados por plantações de papoula para produção de ópio. Os Estados Unidos gastaram mais de 8 mil milhões de dólares em 15 anos de tentativas de destruição dos campos de papoula e de centros de produção de ópio e heroína. Nem ataques aéreos, nem destruição de laboratórios clandestinos travaram a produção de droga que sustenta financeiramente os talibãs de regresso agora ao poder no Afeganistão.

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O assunto não é de hoje mas vai-se agravar nos tempos que se aproximam agora depois do regresso ao poder dos chamados “insurgentes”.  Grande percentagem da população afegã vive da plantação da papoula e todas as medidas ingenuamente tomadas para travar esse negócio esbarraram nas reações das populações que receavam perder o sustento da família.

O Afeganistão representa 84 por cento da produção de ópio a nível global. Segundo um relatório do UNODC (o departamento de estudo de drogas e crime da ONU) divulgado em Maio passado, o cultivo de papoula aumentou 37 por cento em plena pandemia da COVID-19. Em 1979, quando os russos entraram no Afeganistão, a produção de ópio não ultrapassava as 200 toneladas. Em 1988, pouco antes da retirada russa, atingia as 1.000 toneladas. Durante a guerra civil entre 1990 e 1994, a produção foi de 3.426 toneladas. Em 1999 chegava às 4.565 toneladas. Depois caiu devido às medidas tomadas pelo poder talibã em 2001. Mas retomou ainda com mais vigor nos anos seguintes. É duvidoso que os novos senhores de Cabul cedam às pressões internacionais e ilegalizem a produção da planta.

Mas nem só de droga vive o país. No ambiente de guerra e miséria, sob o solo do país residem tesouros de riquezas minerais como cobre, lítio, ouro, cobalto, ferro,  num potencial incalculável. Há uma certa forma de “ingenuidade” do dito Ocidente em relação aos talibãs/mujahidin depois dos 10 anos de ocupação russa e dos sempre presentes Estados Unidos da América que para lá foram em 2001, depois do 11 de Setembro. Os americanos valorizam a ocupação com o facto de terem apanhado o Bin Laden no Paquistão, como uma grande vitória sobre os mujahedins e a Al-Qaeda como justificação suficiente da sua presença no território.

Os talibãs nunca saíram de cena desde o tempo dos russos entre 1979 e 1989 e os americanos andaram a municiar os talibãs a partir do Paquistão contra os russos, dando-lhes misseis entre armamento diverso, Agora, retiram-se com piedosos apelos de “respeito pelos direitos humanos” e esperança de que os novos senhores do Afeganistão sejam mais tolerantes e aceitem negociar direitos humanos.

Pergunto-me em que mundo a chamada civilização ocidental pensa que está a viver em relação a fanáticos religiosos. Os russos saíram de lá de cabeça baixa depois de perderem 15.400 soldados mortos e 50.000 feridos, 800 aviões e helicópteros, 1.500 tanques e 30 mil milhões de dólares gastos. Do lado afegão, os números são dramáticos: 90.000 mujahidin mortos, 75.000 feridos e entre 562.000 a dois milhões de mortos civis durante a guerra. O Afeganistão não sabe o que é viver em paz há mais de 40 anos. Nos últimos dez morreram mais de 100.000 civis em conflitos no país, segundo a missão da ONU.

Após 20 anos de ocupação, os americanos retiram-se sem honra nem glória perante cenas dramáticas retratadas pelas televisões em Cabul. Receia-se uma nova vaga de refugiados. À Turquia chegam em média 2.000 refugiados/dia. Fala-se de catástrofe humanitária. Mais uma a adicionar às anteriores.  

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