Abate de árvores em Algés desagrada aos habitantes

Nas últimas semanas, vários residentes de Algés, concelho de Oeiras, têm manifestado o seu desagrado perante o abate de várias árvores na sequência de obras na Avenida dos Combatentes da Grande Guerra. A população alega que não foi informada desse facto e questiona a necessidade de abater tais árvores. Através das redes sociais, manifestaram a sua oposição, chegando a haver uma petição online e uma pequena marcha simbólica ocorrida a dia 7 de Março

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Ambiente e obras: cidadãos querem ter uma palavra

Carla Castelo, ex-jornalista e uma das fundadoras do Movimento Evoluir Oeiras, falou ao Duas Linhas sobre o assunto. “A nossa reacção não foi de surpresa, porque este tipo de actuação por parte da Câmara Municipal de Oeiras já vem sendo habitual, mas de grande indignação e tristeza. Na realidade, as árvores são seres extraordinários, prestam inúmeros serviços ambientais aos seres humanos, desde logo por capturarem o dióxido de carbono e nos darem o oxigénio, mas nas cidades proporcionam benefícios inestimáveis às populações humanas, promovendo o bem-estar, a qualidade do ar e reduzindo riscos para a saúde pública que decorrem de ondas de calor, que como sabemos têm vindo a ser mais frequentes”. Sobre o abate de árvores (que também já tem ocorrido noutras zonas de Oeiras, como Caxias, Linda-a-Velha e Paço de Arcos), a entrevistada afirmou que “este tipo de comportamento é também um atentado ao direito a um ambiente saudável que todos temos direito e que está constitucionalmente consagrado (…)”.

“Incredulidade”, diz por sua vez Duarte d’Araújo Mata, arquitecto paisagista, sobre a remoção das árvores. “Fazem-se requalificações para melhorar o ambiente urbano, garantir “conforto” pedonal e não se consegue manter o arvoredo existente? Que modernidade é essa, que conforto é esse?” Defende que “se há conflitos com o arvoredo, pode-se fazer aclaramentos de copa e podas de conformação. Abater é sempre a última solução quando não sobram alternativas”. Acerca da gestão das árvores em espaço urbano no concelho de Oeiras, afirma que “o que é feito não consta de nenhum normativo, de nenhum livro de boas práticas publicado em qualquer parte do mundo” e recorda que, em 2018, começou “um ciclo de podar as árvores e deixá-las como se fossem ‘cabides’, questionei a Câmara sobre a existência de regulamentos municipais que definissem critérios técnicos para as intervenções em curso e recebi respostas que não se admitem de pessoas eleitas perante os seus munícipes. Respostas lacónicas  de que a Câmara sabe o que está a fazer gerida por eleitos locais. Fui até à Provedoria de Justiça que, perante a argumentação da CMO, arquivou o caso. Daí a petição. Há um vazio legal nesta matéria” (ver caixa).

O arquitecto paisagista deixa um apelo à autarquia: “Que não tenha medo da natureza na cidade. Que não arraste os cidadãos para um mundo inerte nas suas ruas e avenidas quando tanto precisamos do verde urbano.”

Chiara Ternullo, arquitecta e membro da Rede Desafiar Algés, justificou o seu envolvimento: “O facto de ver o espaço público maltratado e com práticas que hoje em dia não são ortodoxas mexeu comigo e envolveu-me neste projecto com vizinhos”, acrescentando que  “o Facebook é a praça digital hoje em dia porque estamos fechados em casa”, e que “desde Janeiro houve cidadãos a dizerem que havia uma árvore sem caldeira nenhuma à volta”. Esclareceu que “caldeira” é o termo usado para definir o espaço livre (de metro e meio, de preferência) à volta da árvore para permitir a concentração de água. A arquitecta algesina é taxativa quando diz que o abate de árvores nesta obra foi “um erro”: “porque não conseguiam montar o lancil, que é a pedra de rebate do passeio; como é uma pedra bem larga, não tiraram bem as medidas, então, na linha do lancil, estava o tronco da árvore, portanto…”. “Eu passava e via as árvores, bem rentinhas à linha do passeio. Havia maneira de salvar a árvore. Para já podia ser o transplante. Mas isso é muito mais caro”, acrescenta.

Por seu lado, Carla Castelo afirmou que “no caso concreto da Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, o que sabemos é que as árvores foram abatidas por uma decisão sem fundamento sanitário. Há fotografias e testemunhas que estavam no local que provam isso mesmo: as árvores estavam em boas condições, não estavam a prejudicar nada nem ninguém e foi tomada uma decisão que nós gostávamos que fosse explicada”. Nesta linha de pensamento, o Movimento Evoluir Oeiras defende para o concelho a criação de um regulamento municipal de gestão do arvoredo, proposta essa que foi apresentada pela CDU na Assembleia Municipal de dia 9 de Março, e foi rejeitada.

Chiara Ternullo revelou que um dos membros da Rede Desafiar Algés enviou, nas duas últimas reuniões da Assembleia Municipal da autarquia, um email para ser lido pela presidente da Assembleia, no espaço reservado à participação dos cidadãos. Garante que até agora não receberam uma resposta oficial. “O que sabemos é que chegou o comunicado via Facebook”, o qual menciona que foram removidas quatro árvores e vão ser replantadas seis. A arquitecta opina que existem outras soluções para além do granito que está a ser colocado para substituir a calçada e recorda a petição online sobre o assunto, que já conta com 780 assinaturas, que entre outras coisas pede que mais nenhuma árvore seja removida nas obras a decorrer e futuras.

Acerca do porquê do abate de árvores a meio da obra em causa, a arquitecta acredita que “se não houver um problema fitossanitário, ou digamos logístico, as plantas têm de ser respeitadas. Portanto, aquelas que foram abatidas têm de ser replantadas. Eles neste momento, como não estava previsto… fecharam por completo o passeio. Os passeios não têm uma árvore, porque não estava incluído na empreitada. Isso é claríssimo! Porque se estivesse incluído na empreitada, eles já tinham a caldeira feita, o buraco feito… não, já estão a asfaltar, já está tudo acabado, e as árvores não estão. Porquê? Como foi um erro de obra, vai outra empreitada, outra adjudicação para repor as árvores”.

A arquitecta afirma desconhecer o projecto por causa dos constrangimentos resultantes da pandemia. “Neste momento, com a pandemia, não posso ir a qualquer lado e dizer ‘mostrem-me o projecto’. Eu tenho a certeza que o projecto não prevê nenhum levantamento topográfico. Quando eles começaram a obra, começaram-na sem saber que naquele alinhamento estava a árvore”, acrescenta. “Se não for um projecto bem instruído… as árvores estavam lá, não estavam doentes, porque é que abateram? Porque houve um problema de obra, não estava previsto, porque se desviassem 30 centímetros o lancil para dentro da estrada, a árvore estava salva”. “E se os cidadãos não falassem, se calhar os passeios ficavam assim”, reitera.

Carla Castelo frisa a importância dos espaços verdes em ambiente urbano: “Quem não gosta de estar numa rua arborizada? É uma pena que haja uma atitude de banalização da mutilação das árvores, do abate das árvores, como se fossem algo descartável; as árvores não são descartáveis”.

O Duas Linhas procurou saber mais junto da Câmara Municipal de Oeiras, tendo contactado via email a Divisão de Reabilitação Urbana e a Divisão do Ambiente e Qualidade de Vida, mas não obteve resposta até agora.

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