Small Is Beautiful (a dimensão justa)

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A propósito da forma ignóbil como se abateram centenas de animais na Herdade da Torre Bela, na Azambuja, aparentemente para limpar terreno para a construção de uma enorme central fotovoltaica, vale a pena perceber que modelo de renováveis faz ou não sentido apoiar e, sobretudo, que novo modelo económico e social faz sentido construir perante a crise global do ambiente (de que a crise climática é apenas uma parte) que enfrentamos.

Não havendo certeza sobre se legalmente foi cometido um crime na Herdade da Torre Bela, não restam dúvidas da desumanidade da matança em massa de veados, gamos e javalis, que tem sido amplamente criticada. Mas há outras discussões que importa ter, nomeadamente sobre o modelo centralizado de produção de energia solar em áreas rurais.

No Resumo Não Técnico do Estudo de Impacto Ambiental das Centrais Fotovoltaicas de Rio Maior e da Torre Bela conclui-se que há vantagens para o ambiente em geral e assinala-se “o contributo positivo do Projeto para a minimização dos efeitos climáticos associados ao aumento do efeito de estufa”.

Mas sabemos que as florestas são valiosos sumidouros de carbono, fundamentais para a minimização dos efeitos das alterações climáticas. E que os prados biodiversos também têm um papel positivo no sequestro de carbono da atmosfera.

Não será um contrassenso em termos de ação climática, da necessária proteção da natureza e dos serviços que ela nos presta construir uma mega central fotovoltaica num espaço com reconhecido solo fértil, onde existiam sobreiros, azinheiras e outras árvores?

No caso concreto a floresta que ali existia atualmente era sobretudo eucaliptal de produção, com algumas azinheiras e sobreiros. Mas mesmo um ecossistema como aquele poderia ser restaurado, havendo vontade e investimento.

Uma mega central fotovoltaica com uma área de 775 hectares tapa uma área considerável de solo, reduz a biodiversidade, prejudica a infiltração de água da chuva e causa danos nos ecossistemas. Há desvantagens ambientais e sociais quando se constrói em espaços naturais, florestais ou em solos agrícolas, e não em locais já impermeabilizados.

Pelo contrário, apoiar a microprodução, com a instalação descentralizada de painéis fotovoltaicos nos telhados de habitações, empresas e edifícios públicos, é distribuir os ganhos por muito mais gente, com muito menor impacto ambiental. Se a produção de energia estiver próxima do local de consumo, evitam-se perdas energéticas associadas ao transporte de eletricidade, e evitam-se impactos ambientais nas áreas naturais onde se instalam habitualmente grandes centrais fotovoltaicas.

As cooperativas de energias renováveis por todo o mundo, como a Coopérnico em Portugal, estão a fazer esse papel de promoção de investimentos pequenos e descentralizados que contribuem para um futuro mais equilibrado do ponto de vista social e ambiental, com o envolvimento dos cidadãos. Fornecer energia, envolver e dar poder às pessoas (“power to the people”) nesta área, como em muitas outras da vida em sociedade, é cada vez mais importante para a criação de comunidades mais justas, resilientes e solidárias.

É fundamental reduzirmos as emissões de gases com efeito de estufa e para isso, a produção de energia tem de ser mais limpa, com recurso a fontes renováveis como o sol, o vento ou as marés. Mas criar uma sociedade mais justa e ao mesmo tempo procurar conter a perda de biodiversidade e o agravamento das alterações climáticas não se faz apenas com uma transição energética, mudando a fonte primária de energia dos combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo ou o gás natural, para o sol, o vento ou as marés. A transformação necessária é muito mais profunda, e na área da energia terá de passar por um modelo renovável descentralizado e justo, que beneficie as pessoas e o ambiente.

Na busca de um maior equilíbrio, precisamos de apostar na eficiência energética e na poupança de energia, e apoiar sobretudo projetos de pequena e média escala em vez de insistir nas mega centrais. A pequena escala não é apenas ambientalmente mais racional é também socialmente mais justa. Sabemos que “não há crescimento infinito num mundo de recursos finitos”, como sintetizou E. F. Schumacher (autor a quem fui buscar o título desta crónica), e, como tal, devemos procurar o equilíbrio e abandonar o “culto obsessivo do crescimento económico ilimitado”, não endeusando tudo o que são mega-investimentos, empreendimentos e projetos.

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