Aqui há uns tempos -talvez uns 15 dias- telefonei a um amigo. Interrompi-o. Encontrava-se a meio de uma actividade diária a que atribui importância. “Estava -disse-me- a ver um noticiário da televisão pública da Bélgica, um País onde passei uma temporada na juventude. Faço isto todos os dias, para ver se não esqueço o que é um noticiário a sério”. Aquilo bateu-me. Voltei a ligar-lhe a semana passada, na quarta-feira, especificamente para o questionar sobre o tempo de duração desse noticiário e que parte dedicava à pandemia. “Meia hora e bem menos de 10 minutos para o covid”, respondeu. A Bélgica é, se bem me recordo, o País europeu mais duramente atingido pela pandemia.
Voltei a olhar para os nossos noticiários televisivos da noite logo no dia seguinte, quinta-feira, dia 12 de Outubro. O Telejornal (RTP) teve a duração normal de 56 minutos. Apresentou 24 peças, 15 das quais relacionadas com a pandemia, praticamente 2/3 do noticiário. O Jornal da Noite (SIC) teve um tempo útil de 1h22′, com um alinhamento de 19 reportagens, 10 das quais dedicadas à covid. Mas uma destas peças teve a duração de 42 minutos. Ou seja, pelo menos 3/4 do noticiário foram dedicados à pandemia. Quanto ao Jornal das 8, da TVI, esticou-se por 1h23′, mais um minuto do que o noticiário da SIC. Dezanove das 30 peças apresentadas estavam relacionadas com a pandemia, sendo que duas destas peças tiveram uma duração de 7 minutos e de 15 minutos. Ou seja, passaram bem mais de 2/3 do noticiário ocupados com o vírus. Pelo meio dos alinhamentos vão metendo outras notícias, a maior parte das vezes sem grande nexo, prova de que têm a noção de que aquilo é uma seca monumental.
Não acredito que os responsáveis editoriais concebam alinhamentos como os que nos apresentam porque achem que assim é que deve ser, em termos jornalísticos. Fazem-no porque acreditam que a malta quer doses daquelas. Olham para os noticiários do lado e sentem-se reconfortados. Estão numa disputa consciente pelo grotesco, apresentando produtos altamente tóxicos. É para o lado que dormem melhor.
“Parece um catraio”, exclamou a minha sogra quando lhe apareceu na pantalha um dos pivôs, enfiado num fato de xadrez bem vistoso. É verdade, podia bem ser um miúdo saído do Adão Juvenil, na baixa lisboeta, ali por volta dos anos 60. Outro dos pivôs também se apresentava de fato de xadrez, embora menos vistoso. Mas o melhor, mesmo, são as calças bem apertadas, por cima dos tornozelos. Parecem jokers. Tudo, presumo eu, para disfarçarem a idade, querendo passar por jovens, embora veja, na rua, pouco gente vestida como eles se nos apresentam. O cabelo é que já não perdoa.