Ramalho Eanes tinha sido eleito Presidente da República em Julho de 1976 com 61% dos votos, contra 16% para a extrema-esquerda de Otelo Saraiva de Carvalho. O país borbulhava de acontecimentos políticos e ainda respirava o ambiente gerado pelo 25 de Novembro de 75, dia em que Eanes dá o peito à contrarrevolução. O General Costa Gomes tinha decretado o estado de sítio na Região de Lisboa, carros eram revistados por populares armados nas ruas, informação e contrainformação conviviam numa disputa para destabilizar o país e enervar as pessoas. Os americanos andavam nervosos com medo que os comunistas criassem um estado radical na ponta da Europa, virado para o Atlântico e que todo o seu trabalho de sapa em Portugal fosse … “por água abaixo”.
A NATO/OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de que Portugal fora um dos países fundadores em 1949, cinco anos após o fim da II Grande Guerra, era um organismo ao qual Lisboa devia muito da ajuda em equipamento militar no início da chamada Guerra Colonial.
As coisas não andavam bem a nível internacional, a guerra-fria estava mais quente que nunca, Jimmy Carter subia à Presidência dos Estados Unidos em Janeiro de 1977, a Organização do Tratado do Atlântico Norte precisava de mostrar a força dos aliados ocidentais e pede ao Reino Unido para organizar a habitual reunião anual, em Londres, calendarizada para 9 de Maio, sob o tema “O futuro da NATO”.
Esta seria a primeira visita oficial do Presidente Ramalho Eanes ao estrangeiro. Visita muito importante na medida em que Portugal andava nas bocas do mundo e nem sempre pelas melhores razões.
Na RTP, ainda a preto e branco, vivíamos o frenesi dos dias quentes pós-revolução e ainda se respirava o famoso “olhe que não, doutor, olhe que não” que Álvaro Cunhal tinha usado para contestar a acusação de Mário Soares em como o PCP queria instituir uma ditadura em Portugal. Isto passou-se em 6 de Novembro de 1975 e estava-se a 19 dias do 25 de Novembro. Em Maio de 1977 já se funcionava com alguma normalidade na RTP.
Coube-me ser o jornalista indicado para acompanhar a visita do PR a Londres, que incluía uma recepção à comunidade portuguesa naquela cidade.
A BBC era a estação hospedeira, o Centro de Imprensa, perto do nº. 10 da Downing Street era a redacção provisória e confortável das centenas de jornalistas deslocados a Londres. Estávamos perto do local da Reunião da NATO e do Buckingham Palace residência da Rainha.
Os americanos tinham alugado um hotel inteiro para os seus enviados especiais ao evento e ali instalaram o seu Centro de Imprensa, um manancial de informação inesgotável durante todos aqueles dias de Londres. Isto porque, por motivos de segurança, só uma equipa de televisão é que era admitida para cobrir os trabalhos da Cimeira, ou a BBC ou uma cadeia americana que depois distribuíam pelas outras estações presentes.
Nós e todos os outros não fomos autorizados a estar presentes na cerimónia de abertura dos trabalhos coisa que me causava alguma angústia pelo facto de ter lá “o meu Presidente” na sua primeira viagem internacional.
Tínhamos de nos contentar com as imagens dos outros. E é aí que nós, os jornalistas portugueses enviados à Cimeira, damos conta da grande gaffe do Presidente Carter ao festejar a presença do general Ramalho Eanes, “presidente da Espanha”. Contaram-nos que Eanes, sempre com o seu ar sério e compenetrado, quase caía da cadeira com o sobressalto que teve. Carter tentou reparar a asneira mas o mal já estava feito.
Aliás, Jimmy Carter ficou conhecido como o “rei das gaffes”. Nesses dias de visita a Londres, num banquete oferecido pela rainha de Inglaterra Isabel II antes da reunião da NATO, Carter protagonizou, uma cena caricata na cerimónia de apresentação dos convidados à rainha e à sua mãe. Em vez da vénia protocolar, Carter beija a rainha-mãe na boca. O incidente perturbou seriamente as relações entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que só viriam a normalizar-se com Ronald Reagan.
Os trabalhos da reunião da NATO deram aso a perceber-se que o Presidente Eanes era altamente considerado pela Organização e só não foi a vedeta porque Eanes é Eanes e o Presidente dos Estados Unidos estava lá. Na tradicional foto de família, Eanes figura na primeira fila ao centro ladeado pelo então Secretário-geral da NATO Joseph Luns e pelo primeiro ministro britânico James Callaghan o que constituiu um forte sinal da importância que lhe fora dada como representante de Portugal.