Tenho notado que, desde o passado fim de semana, se multiplicam – nas redes sociais – as manisfestações de apreço em relação ao jornalista Cláudio França.
Dito assim, é normal que muitos leitores não saibam de quem se trata. No entanto, talvez se faça luz se vos disser que estamos a falar do “pivôt” negro que se apresenta como um dos novos rostos da SIC.
Na realidade, quando o vi (acreditem ou não) nem reparei no pormenor. O que vi foi um homem, como qualquer outro, a apresentar as notícias.
Espanta-me que, passadas poucas horas, num país que se diz não ser racista, se multipliquem as palavras de apoio à SIC por ter um jornalista negro. E o chocante é precisamente isto. Ainda precisamos de realçar que existe um negro a apresentar o noticiário. O facto de algo tão simples ser notícia e motivo de conversa, faz-me pensar que, provavelmente, estamos perante aquilo a que eu próprio apelido de racismo em remissão.
Para quem não sabe, a remissão é o período em que uma doença permanece sob controle, em que o doente não tem os sintomas, mas não pode ser considerado curado uma vez que a doença pode voltar. É isso que me preocupa na questão ligada a Cláudio França. Se estaremos ou não perante um racismo em remissão. Não se ofenda caro leitor. Não é objetivo deste artigo apontar o dedo ou acusar de racistas todos quantos têm manifestado o seu apoio. O que reflito aqui é sobre o facto dos aplausos dirigidos ao referido jornalista se poderem tornar numa forma racista de se manifestar o anti-racismo.
Enquanto não olharmos para as pessoas como pessoas, enquanto fizermos da cor um tema de conversa, enquanto não existir normalidade na evolução social daqueles que têm sido discriminados desde sempre, estaremos apenas a contribuir para a sua não integração já que estamos a marcar com um ferro em brasa o seu aparecimento no grande ecrã pelo facto de ser negro e não pela sua competência ou mérito.
Em suma, o que é verdadeiramente assustador, é que quer os racistas, quer os não racistas, todos viram o negro quando deveriam ter visto apenas o homem.
O racismo não é uma doença, nem sequer do foro mental, por isso creio que adaptar a este tema o conceito médico de remissão não faz sentido. Quem nos dera que se tratasse de uma doença, haveria a esperança de se encontrar alguma vacina ou terapia para curar ou aliviar o mal. Infelizmente, não se trata disso.
O que os dicionários nos dizem é que o racismo é uma teoria que defende a superioridade de um grupo sobre outros, baseada num conceito de raça, preconizando, particularmente, a segregação racial ou mesmo o extermínio de uma minoria. Os dicionários dizem que o racismo se caracteriza por atitudes sistematicamente hostis, discriminatórias e opressivas em relação a uma pessoa ou a um grupo de pessoas com base na sua origem étnica ou racial, em particular quando pertencem a uma minoria ou a uma comunidade marginalizada.
O que se passa em Portugal é rigorosamente isso, particularmente desde que a extrema-direita elegeu um deputado para a Assembleia da República. E quem diz que anda pelas redes sociais não pode ter deixado de reparar nisto, tão evidente e tão monstruosa a coisa se transformou.
Parece-me falacioso um cidadão de pele branca achar que falar de racismo em Portugal é um exagero, porque não sente esse problema e nunca viu um negro sofrer esse tipo de prepotência. Mas, para se saber se a coisa existe ou não, temos de perguntar às vítimas. É tão fácil quanto isso. Perguntem aos negros, nacionais ou estrangeiros, se já alguma vez sofreram esse tipo de agressão. E se quiserem, perguntem a um branco que já tenha vivido em algum país africano se enfrentou esse problema. Ambos dirão que sim, é evidente e claro como água.
O racismo não é uma doença em remissão, caro Raúl Tomé. É um problema social que tem soluções políticas. Ou vemos isso ou daremos espaço para o ódio racial crescer. Em última análise é um caso de polícia.
O fait-divers do apresentador negro da SIC não passa disso mesmo. Mas é bom que aconteça, porque dá visibilidade a um problema que precisa de ser encarado. E a cor da pele dele não é “um pormenor”.
Carlos, muito obrigado pelo seu comentário que mereceu a minha melhor atenção.
No entanto gostaria de expressar-lhe, de forma mais clara, o meu ponto de vista, já que não o consegui fazer no conteúdo que compõe a crónica.
Em nenhum momento tive como desiderato afirmar que o racismo é uma doença. Não o é, de todo. O que fiz foi uma analogia que pretendia expressar a minha preocupação para o facto de algumas pessoas que afirmam não serem racistas, ainda o sejam sem que disso tenham sintomas. O racismo está cristalizado em muitas pessoas e, pese embora se achem defensoras de direitos iguais para todos, o certo é que em algumas ocasiões acabam por ter sintomas do tal racismo em remissão. Portanto não é mais do que mera analogia.
Estamos de acordo no que concerne à exposição dos factos que enumera sobre o racismo, bem como do crescimento de uma extrema direita que não se coíbe de, publicamente, querer exercer a sua supremacia perante as minorias étnicas.
Basta para o efeito, ouvir o discurso do deputado do Chega – cujo nome me abstenho de proferir – relativamente à comunidade cigana, mas também os ataques ferozes que dirigiu a Joacine.
Infelizmente já chegámos ao ponto de ter de exigir a remoção de tatuagens de índole extremista a futuros agentes das forças de segurança.
Em nenhum momento afirmei ou dei a entender que o racismo em Portugal é um exagero. Não o é. Aliás refiro precisamente o contrário na crónica que redigi.
Não só não é um exagero como se expressa de forma muito evidente.
Por vezes nem precisamos perguntar às vítimas. Basta observar. Basta ouvir.
Expressões como “os pretos” ou “que vão para a terra deles” entre outras barbaridades são uma pequena amostra do que estas pessoas sofrem na pele todos os dias e os direitos e as oportunidades que lhes são negadas, exclusivamente pela cor da pele, são absolutamente abjetas.
Na África do Sul, muitos brancos, que nada tiveram a ver com o Apartheid são mortos e violentados apenas pela cor da sua pele. Muitos vêem-se impedidos de viver no seu país por medo de serem mortos.
Ora um branco nascido em Joanesburgo é tão sul-africano como um negro nascido no Cacém.
Para mim são cidadãos de plenos direitos.
Nem todos os negros são bandidos, nem todos os brancos são racistas e culpados por um passado que deveria envergonhar o mundo.
Já para não falarmos da Nigéria que é o país mais racista do mundo e que regista inúmeras mortes por ano, derivado às rivalidades existentes nas mais de 230 etnias que constituem o país.
É portanto um problema muito complexo.
Por último, quando referi que a cor da pele era um pormenor, referia-me apenas à forma como eu vejo as pessoas.
Para mim, serem negras, carecas, altas, gordas ou desdentadas é apenas um pormenor.
Eu vejo as pessoas.
Espero que possa ter ficado mais clara a minha posição.
Abraço 🙂
O comentário que deixei na sua crónica é uma espécie de declaração de voto, para que os leitores percebam que não assino por baixo tudo o que aqui se publica e que, mesmo assim, se publica.
E também para dizer que tenho dificuldade em compreender discursos que parecem querer diminuir a questão do racismo ou criar analogias que são interpretadas como tal. Abraço