Por sistema

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O Ministério da Educação quer turmas mais pequenas para o próximo ano letivo, uma ironia fruto da pandemia que obriga os nossos dirigentes a adaptarem-se às circunstâncias.

O Primeiro-Ministro diz que a Final Eight do futebol europeu constitui um prémio de confiança aos profissionais de saúde e ao SNS, uma afirmação marcadamente infeliz, e até cínica, de um reconhecimento que veio também ele com a pandemia.

“O mundo tem as suas defesas”, diz-me o adolescente em casa, “e arranja maneiras de se defender”, acrescenta. A ideia é essa, a de se aprender alguma coisa na desgraça, retirando as lições que nos fazem ou deviam fazer viver melhor. Mas é uma ideia utópica, na verdade, pensar que o  mundo melhorará a partir de um susto que se apanhou e da reflexão a que o mesmo terá obrigado. Há a grande hipótese de não haver ainda reflexão absolutamente nenhuma e a conclusão de que, a haver mudanças em alguns setores, muitas delas já pedidas anteriormente, elas acontecerão por mera necessidade de contornar uma dificuldade maior e, tantas vezes, por puro oportunismo de quem ordena.

Ver a Covid 19 politizada é algo terrível, com as partes a acusarem-se ou a tentarem beneficiar do vírus, consoante a coisa corre mal ou bem, sem deixar sequer espaço para a independência de posição, como se esta não fosse nunca possível.

De repente, o país aplaudiu e elogia os enfermeiros e os médicos. Valorizam-nos, acreditam no seu trabalho e veem a sua importância. Eles estiveram sempre lá e, no entanto, muitas vezes foram sobejamente desvalorizados e criticados quando faziam exigências laborais.

Há uma inveja social muito evidente no nosso país, decorrente da frustração generalizada e não reconhecimento do trabalho que a maior parte da população sente. Qualquer ganho profissional ou financeiro de uma qualquer área são vistos como ameaça ao bem comum, sobretudo se a área for a pública, naturalmente. Ninguém quer contribuir com os seus impostos para mais (in)justiça laboral, sob pena dos fundos se esgotarem e nós perdermos o avião da prosperidade.

Tudo isto é resultado das más políticas que dividem para reinar e que duram já há décadas. E a população, ao invés de se unir e elevar a fasquia, divide-se e estagna no seu marasmo habitual, quer reivindicativo quer efetivo em termos de salários e de condições dignas de trabalho, que vão para além do pagamento no final do mês.

A luta dos enfermeiros, por exemplo, que não é só de agora, assim como a luta dos professores, nunca tiveram a adesão do grosso da população portuguesa, muito pelo contrário. Ofensas como “vão trabalhar, malandros” eram lidas amiúde nos comentários que pululam online.

Compreensivelmente, cada um está virado para si e para os seus próprios interesses, mergulhado nas suas dificuldades e ambições diárias.

Mas “o planeta tem um plano”, ouvi também dizer no outro dia, por dois idosos que conversavam na fila do supermercado, e veio agora mostrar que ensinar sem professores é uma tarefa dos diabos e que um país sem saúde pública é um erro que pode ser trágico. Desta forma, muitas vozes que pouco ou nada quiseram saber dos enfermeiros até aqui, por exemplo, indignam-se, e bem, contra o prémio do evento futebolístico que o PM lhes dedicou. Resta saber se a indignação é mesmo genuína ou mero acaso ideológico, numa época de jogadas partidárias que acabam por nunca desenvolver o país de forma estrutural e sensata. Ou se persiste para lá da pandemia, quando a normalidade anterior se restabelecer.

Há dias, os miúdos confessavam que afinal não tinham aprendido quase nada, porque sem professores era “muito difícil”. Como mãe, corroboro esta análise. Vai daí que os docentes, tal como os médicos, por exemplo, fazem falta, afinal.

Com turmas mais pequenas, só há um caminho, que era reivindicado há muito – ao invés de se cortar nos recursos humanos, há que investir precisamente neles, na massa humana que sustenta um país sob o ponto de vista sistémico, permanente, e não apenas circunstancial e de urgência para tapar buracos ou salvar a face.

Por sistema, essa não estratégia só não tem falhado completamente, quer na saúde quer na educação, neste caso, por brio e esforço dos seus profissionais. Premie-se isso mesmo, mas de forma eficaz e justa.

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