Quando a distância nos aproxima

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Em algumas empresas, parece que o teleworking pode ser definitivo. Era já uma prática comum em muitos países desenvolvidos. No ensino, a realidade é nova, por cá, forjada à pressa pela necessidade de confinar em época de pandemia. A adaptação inicial foi stressante, pelos timings apertados e pela proliferação de exigências que passavam não só pela rede de contactos como pela quantidade de instrumentos online, desde a intensificação dos e-mails a aulas e reuniões por videoconferência e ainda o domínio de plataformas diversas.

Neste E@D, verificam-se vantagens e desvantagens. Talvez como em tudo, do ponto de vista puramente profissional e do ponto de vista mais pessoal, que invariavelmente surge nas profissões e trabalhos que nos fazem lidar com muitas pessoas diariamente.

Neste momento, não tenho saudades da escola, enquanto local de trabalho. Não tenho saudades do barulho, da agitação, da indisciplina própria de grupos de adolescentes, dos intervalos a correr, das caras tensas ou sisudas de alguns colegas, da falta de entreajuda generalizada, do gastar gasolina, do levantar cedo de manhã e estar aflita com o primeiro toque, da sensação à noite do dia anterior, especialmente aquela que nos faz começar a detestar a parte final de domingo.

Tenho-me habituado a uma certa acalmia, depois da pressão brutal inicial e que terá durado para aí um mês, a esta rotina com mais sossego, tenho apreciado aulas síncronas, funcionam bem em inglês ( comecei-as já antes da Páscoa), tenho restabelecido alguma energia física e mental, apesar de tudo e nesta fase, até me apetece escrever mais, que é um sinal claro que desligar do ambiente desgastante de uma escola no dia a dia me dá logo.

Do que tenho saudades? Bom, de alguns colegas homens, os que são empáticos, divertidos e com quem me identifico na forma de ver o ensino e até a vida, de algumas colegas mulheres, com quem se conversa bem e se pode dizer uns disparates e aliviar, gente com quem se pode dar uma gargalhada e espantar o negativo. E tenho saudades dos meus alunos, sobretudo dos miúdos do 8 º ano.

Não tenho saudades da sua conversa incessante (porque não se calam?), não da entrada na sala de aula (quem conhece, sabe que apetece logo fugir), não da barullheira que fazem nos corredores (o ruído, o ruído…) mas dos afetos deles, dos abraços dos mais pequenos, mais meiguinhos ou corajosos que vêm sempre pedir e dar abracinhos deliciosos e que fazem um reboost no nosso sistema afetivo. Depois de praticamente uma década bastante diferente em termos escolares, ligada ao ensino profissional apenas, este ano tenho sido muito feliz com estes miúdos. Com uma satisfação preciosa, apercebi-me de que como me divertem e fazem bem, confirmei como me sinto bem no meio da miudagem, de como me reconciliam com tanta coisa. Reconciliaram-me com a escola e isso não é pouco, é muito.

Estes miúdos têm correspondido a tudo o que lhes é pedido,  estão sempre a procurar melhorar, enviam e-mails com dúvidas e com as tarefas realizadas muito antes do tempo limite. E gostam de inglês, muitos passaram a gostar mais de inglês, e constatar isto é motivante e compensador. Há uns dias, uma aluna do 8º ano dizia: “Nesta quarentena tenho aprendido tanto inglês, professora. Sei mais palavras, porque faço os trabalhos todos, uso a internet e estou mais concentrada.”  Outra particularidade é que muitos ficam para além do termo das aulas síncronas por sua vontade. Fazem surpresas e dizem coisas boas. Querem conversar, rir, dizer coisas, estabelecer pontes. Alguns estão desejosos de regressar à escola. “Queremos ver os amigos, estar nas aulas, afinal a escola é uma coisa boa.” Outros dizem que não se importam de estar em casa mas que andam aborrecidos e que sentem algumas saudades dos colegas e também dos seus professores.

No meio desta transformação inesperada e com lacunas, é certo, mas também com frutos, as minhas saudades vão, também, fundamentalmente para eles, a nível profissional e sobretudo humano.


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