Se o canal Al Jazeera mantém correspondentes em Gaza, isso significa que qualquer outro canal poderia fazer o mesmo. Penso que haverá outros, o canal público turco também tem ou tinha um correspondente, não sei se continua vivo e operacional. Mas refiro-me aos canais ocidentais, europeus nomeadamente. Quando Israel não permite que entrem jornalistas estrangeiros no território, o recurso a freelancers devia ser utilizado. A questão da língua não se coloca porque é evidente, pelos vídeos amadores que chegam através das redes sociais, há muitos palestinianos que dominam o inglês. Ou seja, não há razões para não se conseguir furar o bloqueio informativo que Israel impõe à Palestina, o que falta é vontade para o fazer.


A Al Jazeera mantém correspondentes permanentes em Gaza e na Cisjordânia, sendo talvez o canal internacional mais visível nesse sentido, com equipas lideradas por jornalistas palestinianos. É uma função de alto risco, basta lembrar o que aconteceu com Shireen Abu Akleh, morta por um sniper israelita na Cisjordânia. Em Gaza, Wael Dahdouh foi obrigado a abandonar o território, depois de sobreviver a várias tentativas de assassinato e de ver morrer filhos e netos em atentados israelitas mais bem sucedidos.


As condições de trabalho dos jornalistas em Gaza serão o bom argumento para os meios ocidentais não contratarem freelancers. Alegam dificuldades com a segurança dessas pessoas e com a verificação da informação. Ao mesmo tempo, não se importam que os mesmos jornalistas morram à medida que vão sendo eliminados pelo exército israelita (já morreram mais de 220 jornalistas em Gaza, desde 7 de outubro de 2023), nem se preocupam com a propaganda israelita disseminada através das agências de comunicação e das embaixadas.

Para os canais globais (CNN, BBC, etc) a língua não seria obstáculo. São canais que produzem informação em inglês e muitos palestinianos falam inglês fluentemente. A presença de material audiovisual em inglês nas redes sociais, frequentemente com legendas e contextualização, mostra que há capacidade de produzir conteúdo compreensível para audiências globais.
O SILÊNCIO NÃO É INOCENTE
Furar o bloqueio informativo israelita exige vontade editorial, coragem institucional e alguns recursos financeiros. Mas não nos deixemos enganar, a ausência de parcerias com jornalistas palestinianos ou até ignorar o que eles já produzem para as redes sociais não é inocente.
O resultado é um vazio informativo que favorece a narrativa oficial de Israel, especialmente no espaço ocidental. Em Portugal, por exemplo, a palavra genocídio não se pronuncia nos média e continua-se a enquadrar os acontecimentos com a revolta do 7 de outubro de 2023, ignorando décadas de ocupação territorial, assassinatos, espoliação, abusos de toda a ordem que os palestinianos têm sofrido às mãos de Israel desde 1948.
Não faltam exemplos de jornalistas palestinianos organizados e que poderiam servir de apoio aos noticiários sobre o que se passa em Gaza e no resto do território da Palestina. Fazem bom jornalismo, que é o que deveria importar.
Por exemplo, temos o Middle East Eye que produz tetxo, fotos e vídeos, recorrendo ao trabalho executado no terreno por stringers e freelancers. Tem uma linha editorial muito crítica a Israel.
O segundo exemplo, é o grupo The Palestine Chronicle, um portal de notícias independente dirigido por palestinianos, com secções específicas sobre Gaza. Traduz e publica testemunhos, vídeos e análises frequentemente ignoradas pelos media ocidentais.

Um terceiro exemplo. O grupo denominado We Are Not Numbers, produz um site que promove a não violência e a solidariedade. Não é um espaço para exercício de jornalismo puro e duro, mas é um boa fonte de histórias, depoimentos, experiências de quem vive constantemente sob bombardeamentos e ocupação militar estrangeira colonialista. Publica ensaios, crónicas e artigos em inglês.

Depois disto, compreenderão se dissermos que é miserável o jornalismo que em Portugal se faz sobre o genocídio que está a vitimar os palestinianos. Não há nenhuma razão para que seja assim. Só se compreende por manifesta falta de vontade de fazer jornalismo decente.




