Os moleiros de Vildemoinhos situam no Verão de 1652 essa legendária invenção das Cavalhadas. E esse era o tempo em que o milho grosso, o zea maís, começava a entrar nos seus moinhos e a ganhar terreno ao centeio e ao milho-miúdo, cereais antigos, com o trigo, cultivados nas encostas dos nossos castros.
E será dessa época, também, a reinvenção dos carolos e das papas que se lhes associam. E digo ‘reinvenção’, porque temos notícia abonada das técnicas de moagem nesses referidos castros e desses outros engenhos da maceração dos cereais, os pios de piar milhos, milho-miúdo, milho painço, tão bem documentados no Castro da Cárcoda, em Carvalhais, S. Pedro do Sul.
Foi essa farinha grosseira, preparada à lareira, que alimentou, com o pão cozido no lar e outros produtos da terra – frutas e raízes, a caça… – gerações de nossos avoengos de muito longe.
Restituímos, hoje, lugar de honra aos carolos e papas de milho, como o faz, por exemplo, a briosa Confraria dos Carolos e Papas de Milho, com sede em Canas de Santa Maria, no vizinho concelho de Tondela, ou, mais longe, a Confraria das Papas de S. Miguel, sediada em Oliveira de Azeméis. Credenciados manjares — apetecidos, necessariamente, pela velha gente da lavoura: lavradores terratenentes, seus criados e seus jornaleiros rogados, a família inteira, pode dizer-se – testemunham essa formidável capacidade de adaptação às circunstâncias novas, esse pragmatismo de vida que se instaura como medida e valor, que se torna cultura, como dizem nossos formulários.

E aí os temos, outra vez reinventados, que quase esquecidos estiveram, os carolos e as papas de milho doces ou salgadas, as berças que Aquilino às vezes chama verças, que ele também as comeu na sua terra centeeira, couve-galega partida em pequeninas tiras, receitas recuperadas de avós, distintas às vezes, não importa.
Vem sempre do moinho – ainda há moinhos antigos! –, a farinha mais ligeira para as papas, e o rolão ou relão como diziam os antigos, o milho mais grosseiramente moído, que tal sabem fazer os moleiros. Depois, é seguir o caminho da receita restituída: a lavagem dos carolos, a cozedura certa em águas de carne de porco, como sempre, em águas de feijão, como também acontece, sempre com os temperos caseiros da banha antiga ou da carne, a pitada de sal se ainda for necessário, um prato ou tigela cheia, carne ou sardinha a acompanhar. Ou, então, a carne em vinha-d’alhos, como recomenda a Confraria mencionada, e o acrescento, registado por ela, do abafamento com morcela de sangue.
As berças ou verças ou papas laberças, tendo por ingredientes a farinha, a couve-galega ou a nabiça em tempo próprio, cortadas em tirinhas, como pertence, fio de azeite regando em vez da banha antiga, rodelas de chouriça a acompanhar, podem agora servir-se em mesa de honra, sem vergonha.
E não falei de um rolão doce, apurado com leite, com tempo, com amor, como o das avós, de uma travessa enramada de Vista Alegre, desenhos de canela a enfeitar, redimidos com nossos gestos de agora, tantos séculos dessa heroica epopeia de resistência, a de nossos pais, de quase todos.