Hoje, quando as máquinas substituem mãos humanas e a dignidade do homem se reduz à sua utilidade produtiva, o Dia Internacional dos Trabalhadores não é apenas uma data no calendário—é um espelho que reflete nossa decadência. Celebramos, sim, mas a quem rendemos homenagem? Aos que labutam sob o jugo de um sistema que os esmaga enquanto os glorifica com palavras vazias? Os trabalhadores conquistaram um dia para si, mas os outros 364 permanecem nas garras de grandes senhores que transformam vidas em números, corpos em engrenagens, sonhos em peças descartáveis.
Os direitos arrancados a duras penas—horas justas, salários mínimos, o direito a respirar fora da fábrica—são agora devorados pela sanha de um capitalismo disfarçado de progresso porque aliado do socialismo materialista. A automação, que prometia libertação, tornou-se a nova algema: o homem já não é explorado por sua força, mas descartado por sua suposta irrelevância. O salário mínimo sustenta o estômago, mas não alimenta a alma; garante a sobrevivência, mas nega a existência. E enquanto a tecnologia avança, a humanidade recua, esfacelada em funcionalidades, reduzida a algoritmos.
A precarização não é apenas do trabalho—é do humano. O indivíduo, despojado de valor, torna-se mercadoria numa economia que venera máquinas e desdenha de carne e osso. As organizações sindicais, outrora trincheiras de resistência, são esvaziadas por um poder que não tolera coletivos, apenas consumidores isolados. Resta-nos, então, a pergunta: como resistir? A resposta não está apenas em novas leis, mas numa revolução da consciência. É preciso erguer-se não como peças substituíveis, mas como seres irredutíveis à lógica do descarte.
Os governantes, cada vez mais distantes, falam em eficiência, em crescimento, em futuros digitais—mas calam-se sobre fome, sobre cansaço, sobre o desespero de quem não é visto como gente, mas como recurso. Suas agendas são escritas a sangue-frio, em salas onde o humano é abstração e a tecnologia, dogma (do imperialismo mental). Enquanto isso, a instabilidade é cultivada como projeto: vidas informais, trabalhos efêmeros, existências sem raízes. O Ocidente, outrora senhor do mundo, vê agora os servos de ontem exigirem dignidade—e descobre, atónito, que já não sabe oferecê-la nem a si mesmo.
No Cristianismo, hoje é dia de São José Operário—o carpinteiro, o trabalhador silencioso que sustentou a sagrada família com suor e calos. Se queremos resistir à maré desumanizante que vem de além-mar, não basta evocar os mártires de Chicago; é preciso resgatar a ideia de que o trabalho não é apenas produção, mas extensão da própria humanidade.
E Portugal? Entre a Europa centralista e o globalismo voraz, só nos resta uma saída: o federalismo, a força das regiões, a resistência das culturas locais contra a homogeneização que esmaga identidades. O globalismo só será legítimo se nascer de baixo para cima, se for construído por mãos humanas, não imposto por máquinas políticas.
A tarefa que nos resta é colossal: libertar-nos não apenas da exploração, mas da alienação que nos faz aceitá-la. Enquanto houver um sopro de humanidade em nós, a luta permanece. Não por um mundo de robôs, mas por um mundo de gente. Um mundo onde a dignidade não seja privilégio, mas direito inalienável—de todos, para todos.
(crónica também publicada em Pegadas do Tempo)
