CARMEN, a bela cigana

Levada à cena pelo Grupo Chiado, apresentou-se no Salão Preto e Prata do Casino Estoril, na noite do passado dia 7, a ópera Carmen, de Georges Bizet. Um retrato do que foi o azougue andaluz do século XIX.

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Logo os amplos leques a emoldurar a cena nos levavam a pensar no salero duma sevilhana maneirosa, sapatos de tacão, saia roçagante, braços a esvoaçar dengosos…

É isso. Os amores da ciganita Carmen, olhar e gesto voluptuoso enchem a praça onde os soldados, na folga ou em serviço, miram e remiram quem passa, não descurando o oportuno piropo («Vejam essa jovem preciosa, que parece querer falar connosco… Vejam… Ela roda.. Hesita!… Devemos ajudá-la!».

Passam pelo meio dos contrabandistas («Ouve, companheiro, ouve, a fortuna está ali! Mas tem cuidado com o caminho, não dês um passo em falso!». Sentem-se no ulular da multidão que aplaude o toureiro matador. Estão presentes mesmo em ambiente de nobreza. Carmen é… o furor!

Louve-se o bem adequado expediente de os cenários serem mui adequadamente projectados em fundo (a praça, as nuas montanhas do contrabando, a arena faustosa…), servindo a estrutura janelada que os separa da cena para sugerir essoutra dimensão de quem, desta sorte, está em cena mas… não está em cena, como que a, alcoviteiramente, testemunhar o que nela se passa.

E se, por vezes, o espectador pode ceder à tentação de olhar para o relógio ou, pior ainda, de abrir o telemóvel (o que será crime de lesa ópera!), decerto levará para casa, no ouvido, as mais célebres árias que ouviu:

– A Habanera – L’amour est un oiseau rebelle («O amor é um pássaro rebelde / que ninguém pode prender / e não adianta chamá-lo / se ele não quer responder). Seguramente o trecho mais famoso e conhecido da ópera. Carmen canta-o logo no primeiro ato, a proclamar a natureza livre e imprevisível do amor.

– A canção do toureiro Escamillo (Toreador Song) – Votre toast, je peux vous le rendre («Sou capaz de vos retribuir o brinde»). Bem conhecido o seu refrão de triunfo (“Toréador, en garde!”): «Tem cuidado contigo, ó toureiro! Lembra-te, sim, que, enquanto toureias, há uns olhos negros que te miram e há um amor te espera, toureiro!». A vibrante evocação do ambiente espanhol numa arena. É frequentemente trauteado e evoca de imediato esse ambiente.

– A seguidilla «Près des remparts de Séville» (Junto às muralhas de Sevilha). Canta-a uma Carmen sedutora, envolvente, cativante, no convite a que Don José fuja com ela.

– E, ainda, a Chanson BohèmeLes tringles des sistres tintaient (as castanholas bem se faziam ouvir…). Cantam-na Carmen e as charuteiras (as atrevidas empregadas da fábrica de charutos junto à praça), bem no ritmo animado e livre do mundo cigano em que Carmen se movimenta.

No final, poder-se-á ter ficado com a impressão de que foi longo o espectáculo; gostar-se-ia que o fim de Carmen não tivesse sido trágico, aquela romântica aceitação da morte por amor… Mas estas árias ficaram, sem dúvida, no ouvido e somos capazes de, um dia ou outro, darmos por nós a cantarolá-las no duche…

Gostaríamos também que as legendas pudessem ter acompanhado mais as falas e, sobretudo, redigidas sem erros ortográficos. Apreciaríamos – hoje que tão raramente se ouve falar francês… – que os actores tivessem melhor pronúncia. Não se pode ter tudo, porém.

Foi, sim, mais um espectáculo do Grupo Chiado nesta sua mui louvável campanha de ‘democratizar’ a ópera. Sempre poderemos imaginar, no entanto, que as damas, na plateia, envergam também os seus longos vestidos de noite e os cavalheiros, de fraque escuro e branco laçarote, lhes dão a mão para docemente se assentarem…

Elenco: Carmen – Laura Vila; Don José – Eduardo Sandoval; Micaela – Estela Vicente; Escamillo – Ihor Voievodin; Frasquita – Sacri Bleda; Mercedes – Rita Rasposo; Zúñiga – Andrés del Pino: Morales y Dancairo – Alejandro Von Büren; Remendado – Héctor Trueba.

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